[RESENHA - HQ] "V" de VINGANÇA, de ALAN MOORE e DAVID LLOYD

Ano: 1988
Editora: Panini Comics
Páginas: 267
Nota: 5/5* 
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     "Igualdade, justiça e liberdade são mais que palavras; são perspectivas."
(V for Vendetta)


Esta é uma resenha que estava com certo receio de fazer. A história desta Graphic Novel é muita intensa e cheia de alegorias e a todo momento ficava pensando que poderia deixar algo importante de fora e, paralelamente, não queria que ficasse extensa demais. Espero que meus receios e temores tenham sido todos superados e que vocês apreciem a resenha desta que é a melhor Hq que já li.

V de Vingança é daquelas estórias que conseguem lhe absorver de um jeito que é quase impossível lê-la e não pensar sobre as implicações que a narrativa apresenta. Você pode ser à favor ou contra a tudo que foi apresentado aqui, mas, de forma alguma, irá passar por ela sem analisar muitas coisas que acontecem ao seu redor, desde o sistema politico e cultural e, acima de tudo, sobre você mesmo.

A estória de V começa com Evey, uma garota de 16 anos, funcionária de uma fábrica de munições que devido aos baixos rendimentos, resolve ir até a casa do chefe pra realizar um programa. Antes que consiga chegar ao destino, é impedida pelos funcionários do governo responsáveis por manter a "ordem". Naquele governo, prostituição é proibida. Os funcionários do governo decidem então, aproveitarem da situação para "desfrutarem" de Evey. Tudo isso é interrompido quando um sujeito mascarado, de fala cadenciada e polida, impede o ocorrido derrubando os funcionários. O mascarado, que se autointitula "V", leva Evey para ver a explosão do palácio da justiça ao som de música clássica. As câmeras de vigilância flagram Evey que passa a ser suspeita.

A máscara de V foi inspirada no rosto de Guy Fowkes, inglês católico condenado a morte por traição por tentar explodir o parlamento britânico com o rei angicano, Jaime I, dentro pois o monarca, dentre outros despotismos, obrigara todos os britânicos a irem a missa de domingo.

A Hq se passa numa Grã Bretanha de um futuro distópico de 1997 (a Hq foi lançada em 1988), onde, após um terceira guerra nuclear, a Europa é devastada. Uma facção fascista de nome Nórdica Chama, acaba surgindo neste cenário e tomo o controle central do governo. Logo, a Nórdica Chama começa a cercear os direitos individuais dos cidadãos. Passa a ter plenos poderes sobre a vida de todos. Usando câmeras de vigilância, vê tudo o que acontece. Nada funciona sem o aval do governo. Aos pouco e de forma consolidante, vai usando de força, medo, controle cultural e midiático pra ditar os rumos do povo. Há toques de recolher, notícias que desagradem o governo são proibidas, há sensores em todos os lugares e, ainda, aqueles que servem de olhos, ouvidos narizes e dedos do grande ditador, o Alto chanceler Adam Sutler. Tudo isso, alegam, sempre em prol de uma ordem maior.

Não bastando tolher os direitos civis, o governo manda para campos de readaptação (campos de concentração) todos os opositores e pessoas que não se enquadram mais no padrão traçado pelo governo: negros, homossexuais, estrangeiros, muçulmanos e qualquer outra minoria que não se enquadre no "modelo" de cidadão britânico. Nesses campos, as pessoas eram interrogadas, torturadas (física e psicologicamente) e serviam como cobaias para experimentos com o objetivo de criar armas biológicas.

Foi em um desses campos que um paciente da sala V, depois de passar por experimentos e várias formas de tortura, explode o local e acaba tendo o corpo todo queimado. Posteriormente ele retorna, mascarado, sem identidade, apenas V. Não apenas para se vingar daqueles que o torturaram mas, também, para lutar na tentativa de tornar o mundo um lugar sem opressores. V não é só um maluco revoltado, cruel e sedento de vingana. Ele é fruto do próprio sistema que, diferente de muitos, que seguem as ordens do governo mantendo uma vida dupla, é somente "V": inala e expira liberdade de pensamento num mundo oprimido. A máscara que serve pra esconder o rosto desfigurado, serve também pra universalizar a mensagem que ele transmite. Após suas aparições, todos podem se enxergar no reflexo da máscara. Todos aqueles que, assim com V, foram vitimas do governo e anseiam por liberdade. Deste modo V, o individuo, se personifica em algo maior: passa a ser a ideia em si. 

A estória de V é muito forte. A saga é recheada de lutas e violência. É difícil analisar as atitudes do personagem sem absorver o momento e a forma que tudo acontece. Seria V apenas mais um terrorista ou alguém que realmente quer o bem das pessoas? E lutando pelo bem das pessoas, a forma adotada por V, para tirar os opressores do poder, seria a única forma viável?

Creio que a mensagem de V deveria ser absorvida por todos. Por mais que um governo possa dominar as pessoas através da força e do controle cultural, é no medo dele que reside seu maior trunfo. Pessoas com medo deixam de buscar seus direitos ou lutar por aquilo que acreditam com receio de represálias ou, ainda, de perder o pouco que já tem. É na força do medo que governos opressores (e corruptos) tomam a liberdade individual para realizarem o que querem com a certeza de que nada irá acontecer. Uma vez que V, paralelamente a sua vingança, consegue libertar o povo das amarras do medo, este percebe o tamanho de sua força e parte pra cobrar tudo o que lhe foi tolhido. V consegue isso, além do uso da força, através de mecanismos do próprio governo. Mas também, e talvez mais importante, levando as pessoas a terem um senso crítico sobre as coisa não aceitando tudo só porque lhe falaram que é assim que deve ser.

V, antes de ser qualquer coisa, é um símbolo. O simbolo de que por mais que as pessoas que controlem sua vida tentem incutir que você deve viver assim e pronto, e até tenham lhe causado algum dano, não é correndo pra debaixo das cobertas que as coisas irão melhorar. V consegue passar essa mensagem para todos, mas o processo fica mais claro na figura de Evey. Presa, torturada e depois de perder tudo o que tinha, ela consegue manter a integridade e abandona o medo. Sem este sentimento que a impede de seguir, nada pode ser obstáculo. A exemplo de Evey, o processo de mudança pode ser duro e sofrido, mas no final, o ciclo de morte e renascimento deixa a pessoa extremamente forte e disposta a enfrentar a opressão (seja ela de qualquer natureza) sem o medo que tanto impede de correr atrás da tão sonhada liberdade.

Boa leitura!!!

obs: A estória escrita por Moore refletia um pouco do quadro britânico da época, comandado por Margareth Tatcher e seu neoliberalismo.  As desigualdades e sofrimentos dos menores foi algo muito bem aproveitado. O culto ao individualismo e ao conservadorismo  da época também estão bem presentes. É nesse clima hostil e de perspectivas nebulosas que Moore introduz personagens que, além de governantes tiranos, são também, singulares: o bispo viciado em pedofilia; um outro governante sádico e alcoólatra; já outro era submisso a uma mulher dominadora e infiel; até o chanceler se apaixona por um computador. Sem contar o forte discurso anarquista do enredo. Não anarquia de "fazes o que querer", mas uma anarquia onde o povo, sem a intermediação de um governo, decide o que é bom ou não pra si. 





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