[RESENHA] Vozes de Tchernóbil, de Svetlana Aleksiévitch


"Destino é a vida de um homem, história é a vida de todos nós. Eu quero narrar a história de forma a não perder de vista o destino de nenhum homem"  




Em 1997, uma escola no distrito de Columbine sofreu um atentado de dois estudantes ceifando 12 vidas. A opinião pública tentou traçar uma relação entre o massacre e o fato dos dois jovens, Eric Harris e Dylan Kelbold, escutarem o rock de Marilyn Manson (o que provou-se um erro já que mais tarde descobriu-se que os jovens detestavam Marilyn Manson). Quando o cineasta Michael Moore entrevistou o músico para seu documentário ganhador do Oscar “Tiros em Columbine”, ele perguntou o que Manson diria para as vítimas acerca de tudo que está acontecendo. Manson respondeu: “nada. Eu não diria nada. Eu ouviria o que eles tem a dizer. O que pouca gente fez até agora!”

Esta premissa de Manson, de escutar o ponto de vista das vítimas não é muito usual. Sempre que um determinado acontecimento de proporções gigantescas ocorre, aparecem especialistas na tentativa de elucidar o porquê de tal cabendo as vítimas apenas um pequeno espaço quando, na verdade, elas deveriam ter suas vozes ouvidas e ecoadas. É isso que a ganhadora do Nobel de Literatura Svetlana Aleksiévich faz em seu emocionante Vozes de Tchernobil sobre o desastre que aconteceu na usina Nuclear de Tchernobil, Ucrânia, em abril de 1986. 

Chegar até o final do livro é como levar um soco no estômago haja vista o aporte emocional presente naqueles relatos. E mais ainda: notar que por mais que nossa empatia trabalhe para diminuir a distância entre o sofrimento alheio e a indiferença, ainda há um abismo que nos distancia de quem sente até hoje o peso da radiação. 
Falam da guerra. Da geração da guerra. Comparam… A geração da guerra? Mas ela é feliz! Tiveram a Vitória! Isso lhes deu uma grande energia vital, ou, como se diz agora, uma poderosa carga de vivência. Eles não temiam nada. Queriam viver, estudar, ter filhos. E nós? Nós temos medo de tudo. Tememos pelos nossos filhos, pelos netos que ainda não temos. (…) Todos estão depressivos. O sentimento é o de estarem irremediavelmente condenados. Para uns, Tchernóbil é uma metáfora, um símbolo. Para nós, é a nossa vida. Simplesmente a vida.  
Svetlana, por um longo período entrevistou um número sem fim de pessoas que tiveram suas vidas modificadas naquele dia. Deixando sua voz de lado para dar lugar a outras vozes, a autora, que nasceu na Bielorrussia, pais que recebeu a maior dose de radiação, faz um compilado devastador, angustiante, pesado, triste e esperançoso do que é a vida pós Tchernóbil. E de que quebra ainda ilustra um panorama do era ser  “o homem” soviético.


Aqui, acompanhamos os relatos angustiantes da esposa que insiste em visitar o marido, bombeiro, vítima da radiação; da mãe que luta para que a filha, que nasceu com sequelas graves, possa ter um tratamento adequado e não sucumba ao preconceito; das várias pessoas que não querem – e não o fazem – abandonar a terra onde nasceram, hoje, contaminada pela radiação; das crianças que tiveram que deixar seu cãozinho para trás. Foram mais de 500 entrevistas que compilam um cenário triste e angustiante do que é a vida pós Tchernóbil.

Mesmo sem usar sua voz para descrever o que representou aquele  desastre, a altora sabe muito bem intercalar os vários depoimentos de forma a tornar o que poderia ser uma Quimera em uma narrativa coesa e dinâmica. 


Eu tenho doze anos. Passo o dia todo em casa, sou inválida. O Carteiro traz à nossa casa duas pensões, a minha e a do meu avô. As meninas da minha turma, quando souberam que eu tinha câncer no sangue, ficaram com medo de sentar do meu lado. De me tocar. Mas eu olhava as minhas mãos, a minha pasta e os meus cadernos. Não havia nada de diferente. Por que tinham medo de mim? Os médicos disseram que eu adoeci porque o meu pai trabalhava em Tchernóbil. Mas eu nasci depois disso. E eu amo papai.    

Entre esses tantos relatos há espaço para um vislumbre do que foi o homem soviético. Um cidadão resiliente que sempre acreditou na figura de um líder salvador mas que na verdade, era só um joguete nas mãos de quem não se importava e se vê perdido com o desmembramento da União Soviética.

Muito do que é relatado no livro de Svetlana parece mais um conto fictício. E não me refiro ao governo que só revelou o que realmente ocorrera quando já era impossível mantes a farsa, mas sim, como aquele insidioso dia pode destruir tantas vidas e modificar a forma como muitas deles observam o que estar vivo.

Longe de ser um livro de ler, Vozes de Tchernóbil é um emaranhado caótico organizado que ilustra o poder de uma narrativa forte quando se dá espaço aos verdadeiros personagens  de uma tragédia. Não espere sentir-se melhor após a leitura, pelo contrário: certas imagens narrativas ão de se misturar nos seus pensamentos diários e  o resultado é a tristeza e impotência. Porém, observar que aquelas pessoas, as vítimas da radiação, a despeito de todo sofrimento ainda acreditam que possa existir algo de bom após a radiação, te faz acreditar que possa existir beleza neste mundo. Mesmo depois da "rosa".
Boa Leitura.

Vozes de Tchernóbil ( Chernobylscaya Molitva, Chernobyl Prayer, 1997)
Páginas: 384
Autor:  Svetlana Aleksiévith
Editora: Companhia das Letras
Comprar: AMAZON 


EmoticonEmoticon