Tenho certeza que sempre que alguém pensa em filmes de terror, “O
Exorcista” consta na lista dos melhores. Comigo não é diferente. Há alguns anos
atrás quando descobri que a obra era baseada em um livro homônimo, criou-se um
paradoxo na minha cabeça: queria mas não queria ler o livro. Normalmente os
livros são mais assustadores que o filme e, como o filme já te deixa com medo
até de olhar para o lado e ver algo, imaginava como não seria o livro. Ficava
com misto de (medo) receio e vontade de ler. Já havia tentado umas duas ou três
vezes, mas não conseguia ir até o fim. Desta vez fui. E digo que não sei ao
certo qual dos dois (filme ou livro) me incutiu mais medo de dormir.
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"-Dizemos que o demônio não pode mudar a vontade da vítima.- Sim, é isso mesmo. Sem pecado.- Então, qual é o proposito da possessão? Qual é o sentido?- Como saber? Quem pode saber? E ainda acho que o alvo do demônio não é o possuído. Somos nós... Que observamos... Todas as pessoas desta casa. E eu acho... Acredito que o objetivo é fazer com que nos desesperemos, que rejeitemos nossa humanidade: que vejamos a nós mesmos como bestas, maus e podres, deploráveis, horrorosos, indignos. E talvez aí esteja o cerne da questão: na indignidade. Porque eu acho que a crença em Deus não é uma questão de razão; acredito que é, no fundo, uma questão de amor: de aceitarmos a possibilidade de que Deus possa nos amar."
(Trecho diálogo entre padre Merrin e padre Karras)
Histórias de terror costumam dividir opiniões. Alguns adoram, alguns
odeiam. Não são muitas as que conseguem unanimidade. Dentre essas, O Exorcista
é uma que só a menção já provoca medo. Mesmo 43 anos depois de publicado, o
livro consegue assustar e incutir horas de tensão, mesmo depois de
terminado.
Li uma vez em algum lugar que Willian
Peter Blatty, no momento em que escrevia o livro, não tinha em mente produzir
algo com a intenção de causar sustos mas sim, escrever o relato de um clérigo
que, com problemas de fé, tivesse problemas em aceitar que eventos psicológicos
fossem vistos pela ótica da paranormalidade. Os sustos foram acidentais. Talvez
seja um caso raro onde algo não intencional dentro literatura tenha dado tão
certo.
Depois do livro, temos o filme que teve
o roteiro adaptado pelo próprio Blatty. Sendo assim, não temos um filme
diferente do livro mas que na verdade se complementam. E ouso dizer que todos
os filmes de possessão, depois de 1971, beberam um pouco da fonte de O
Exorcista.
O livro começa nos apresentando um
padre, Merrin, num prólogo confuso e enigmático. No meio de escavações
arqueológicas, o padre acaba encontrando uma figura de um demônio assírio,
Pazuzu. Lembranças de terrores passados afloram na mente do reverendo que vê
naquilo um presságio de que algo terrível está por vir. Algo que, cedo ou
tarde, ele sabia que aconteceria. Foi como um lembrete de que a batalha dele
contra o mal estava prestes a chegar ao fim.
"Assim como o brilho breve dos raios de sol não é notado pelos olhos dos homens cegos, o começo do horror passou despercebido; com o guincho do que ocorreu em seguida, o inicio foi, na verdade, esquecido e talvez não relacionado de forma alguma ao horror. Era difícil saber"
Depois do prólogo somos
apresentados a Chris McNeil, uma atriz consagrada, e sua filha de doze
anos, Regan. Apesar de problemas referentes ao passado, ambas vivem uma vida
feliz e tranquila. Até que coisas estranhas começam a acontecer – batidas sem
explicação no sótão, frio repentino no quarto, móveis que se movem sozinhos..., mas nada possa sugerir que as coisas iriam degringolar para o ponto aonde
chegaram. Talvez um fator possa ter desencadeado tudo isso. Talvez
não. Difícil saber. Mas o fato é que as coisas foram acontecendo
gradativamente. Não foi algo repentino, mas sim meticuloso e lento
sendo mais difícil acreditar que tudo realmente está se passando e,
principalmente, cria uma atmosfera sombria que segue o livro inteiro. Os
limites da sanidade de Chris e de todos à sua volta são testados até o limiar
do colapso. Tudo chegou até um ponto onde a ateia, Chris, não podia mais
olhar para o lado e fingir que nada estava acontecendo de errado com a filha
que, sem saber como ou o quê, sentia que algo de muito ruim estava acontecendo
dentro ela.
"O oculto é algo diferente. Eu me mantive longe disso. Acredito que mexer com ele pode ser perigoso. E isso inclui mexer num tabuleiro Ouija. (...) Em muitas histórias que eu já ouvi sobre centros espíritas, todos eles parecem apontar para abertura de uma porta de algum tipo. Se eu estou certa, talvez a ponte entre os dois mundos seja o que você mesma acabou de mencionar, o subconsciente. Só sei que coisas parecem acontecer. E, minha querida, há hospícios no mundo todo repletos de pessoas que mexeram com o oculto."
(pág 82)
Paralelamente a história
das McNeil, a vida do padre/psiquiatra Damien Karras é nos apresentada. Um
jesuíta com problemas de fé que também tem problemas com o passado. É difícil
observar o padre existente em Karras. O ceticismo e a racionalidade fazem com
que o psiquiatra fique sempre a frente do homem da fé. Mesmo depois de tudo que vai
acontecendo, a mente de Karras continua procurando explicações e, talvez
desejando acreditar no Karras psiquiatra. Quase consegue fazer isso até o fim.
Daí em diante as coisas
realmente começam a ficar perturbadoras. O embate entre bem e mal finalmente
vai para seu duelo final. O ritmo dos acontecimentos é frenético e somos
levados junto num turbilhão de imagens assustadores e dramáticas. Depois de
chegar a aproximadamente metade do livro, é quase impossível largar a leitura.
Ainda que o medo fique latejando como um machucado, a atmosfera sombria e o afã
de descobrir o desenrolar da história são mais fortes que o medo presente em
cada página. Desta forma, não é incomum levar sustos, ter medo e, às vezes, notar um ar de
quem tem alguém (algo?!) te observando.
O medo contido na obra é
algo que lhe acompanha desde o inicio e fica pairando no ar um tempo depois de
ler. É como se o autor tivesse remexido em algo assustador que paira no nosso
subconsciente e mesmo sabendo que é um livro e, crendo que aquilo dificilmente
aconteceria (SERÁ???) no mundo real, uma parte da nossa mente fica totalmente
absorta e assustada por aquela atmosfera.
O final do livro é
simplesmente excepcional. Nos remete a algo que fica além do terror, além dos
sustos, além do suspense. Acho que a mensagem mais forte que o livro passa é
que o amor e superação podem (e devem) suplantar tudo e todos. Ainda que seja
algo além da nossa compreensão e controle. Boa leitura!!!
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O Exorcista (The Exorcist, EUA,1971)
Páginas: 320
Autor: William Peter Blatty
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