Dennis
Villeneuve ousa em sua continuação de Blade Runner e nos deixa a seguinte pergunta: afinal, importa se somos
humanos?
Blade Runner não
foi um sucesso imediato em sua época de lançamento. Pouca arrecadação e críticas em sua maioria negativas pareciam decretar que este seria mais um
daqueles filmes que se esperavam muito mas que não mostrou para o que veio. Porém,
no decorrer dos anos, a crítica passou a ver a película com outros olhos e paulatinamente, a obra do diretor
Ridley Scott alcançou o patamar de clássico da ficção cientifica com a honra de
ser um dos melhores do gênero (para muitos, o melhor). Quando foi anunciada a continuação muitos
ficaram receosos. Pra que me mexer em
algo que se consolidou? Apesar do diretor escalado para o projeto, Dennis
Villeneuve, ter mostrado uma competência sólida em sua filmografia, a
desconfiança ainda pairava. Porém, após a exibição, o que se viu foi uma obra
que segue a cartilha das continuações de sucesso: mantém a essência e atmosfera
da obra original mas toma novos rumos expandindo o universo criando sua própria filosofia...
Blade
Runner – 2049, narra a história onde a Tyrell Corporation – responsável pela
criação dos androides, ou replicantes. Após problemas com as versões Nexus 8, quase fale, porém é comprada por
Niander Walacce (Jared Leto), que expande e aumenta o tamanho da companhia desenvolvendo replicantes mais obedientes aos humanos. O Blade
Runner K (Ryan Gosling), acaba descobrindo uma conspiração para manter um
segredo, e parte em busca de Rick Deckard (Harrison Ford) que talvez tenha as
respostas que ele busca. Não dá pra falar muito muito mais sobre o filme pra
não estragar a surpresa de quem ainda não viu. Não que as reviravoltas sejam a
essência deste filme, não são! Mas é sempre legal manter um certo desconhecimento
do que irá acontecer num filme de investigação...
Dennis
Villeneuve é um caso raro de diretor que apresenta uma filmografia
relativamente extensa (nove filmes) e não errou a mão em nenhum. Seus filmes
apresentam uma atmosfera pesada, um ar de perigo em cada esquina, de urgência
(mas sem ser apressado) onde cada frame, cada cena pode ser significativo. Aqui
ele mantém isso de uma forma mais robusta, mais opulenta...
Aproveitando
os vários ganchos que a história original propiciou, Villeneuve puxa cada um
deles mas não querendo ser uma cópia do filme de Scott. Ele subverte o sentido
central da obra de 83 sabendo aproveitar todos os acertos do outro filme
elevando-os um grau acima. E faz isso sem pressa nenhuma. As cenas são
conduzidas pra levar o espectador a imergir na obra. Não apenas vê-la, mas
senti-la. Faz isso com uma cinematografia cheia de cores e luzes piscando mas
em mundo sujo, asfixiante. A paleta de cores evoca uma ideia noir que se completa com uma trilha
sonora forte que sabe a hora certa de elevar o volume. A criação de mundo é toda
espetacular. Você consegue sentir que aquele mundo seguiu adiante e mesmo assim, ou por conta disso, ainda apresenta
uma beleza que parece nociva, quase erótica. Há um uso muito acurado de
projeções visuais no longa e muitas delas, apesar de servirem seu propósito
original – propaganda – tem muito a dizer sobre a trama e principalmente os
personagens...
Falando
em personagens, aqui os atores estão todos excelentes. Ryan Goslyn faz um
replicante que se depara com um mistério
gigantesco que diz respeito ao mundo ao qual ele vive mas também é algo
pessoal, íntimo que muda muito do que ele sabe. E ele consegue transmitir toda dúvida e incerteza através do olhar, do
jeito cansado; Harrison Ford mantém a classe de sempre. Quando ele aparece eu
tive quase que um Uou. Harrison traz
um Deckar envelhecido mas não inválido. A solidão – ou não – fizeram ele se
cercar de cuidados e medos e o ator transmite
tudo isso dentro de um estoicismo
calculado; a lindíssima Anna de Armas dá um show de atuação. Ela faz..., bem,
não vou falar pra não estragar a surpresa, mas tem um papel muito importante
pra entender a ESSÊNCIA do filme. Há uma cena envolvendo de sexo com ela, K e outra
replicante que me lembrou muito uma cena do filme Ela
. Porém aqui, a cena é mais impactante. É quase
uma viagem psicodélica que casa certinho com a premissa e atmosfera do filme; Jared
Leto na pele de Niander Wallace, apesar da brevidade de suas cenas, faz um CEO
extremamente inteligente e perigoso – meio que apaga seu papel em Esquadrão Suicida – e você sente a ameaça exalando dele...
O
roteiro do filme, além de acertar em não apressar as coisas, dá espaço para que
todos os personagens apareçam na medida do necessário e quando preciso, como no
caso de K, só é dito o necessário pra não diminuir a atmosfera de desconhecido.
Mas tudo isso não seria nada se o diretor não tivesse ousado em mudar as
perguntas do anterior mas sem cortar de todo o fio que as liga. Se no primeiro
a pergunta que ficava era o que nos torna humanos, em Blade Runner 2049(adaptado do
livro Androides Sonham com Ovelhas Elétricas?
, de Philip K Dick) a pergunta é: importa se somos humanos?
Ou seja, transmuta de uma pergunta mais intimista e existencial para algo mais
social. E esta pergunta vem num momento muito importante da história do homem...
No
decorrer da história, o homo sapiens dobrou
todas as outras formas de vida de acordo com suas necessidades e o fez/faz com
a premissa de que somos a “raça” superior, a mais inteligente, mais apta. Isso é
muito bem descrito no ótimo Spiens de Yuval Noah Harari. Entretanto, com o
advento das tecnologias da informação e seu processo constante de ir além,
já se avizinha no horizonte formas de existência que não estamos de todo
preparados. Remédio nootrópicos, a fusão do homem com partes cibernéticas e a
tão buscada inteligência artificial. Segundo o mesmo Harari em seu outro best seller, Homo Deus, e
outros pesquisadores, esses eventos não demoraram mais que cinco, seis décadas
pra acontecer. Como nos relacionaremos com esses seres que, em teoria, serão
aquilo que o sapiens é hoje? Sem
contar nas diversas barbáries que ocorreram no decorrer da história com base no
principio da superioridade das raças: escravidão, genocídios, nazismo, dentro
outros demônios do passado e do presente, se baseiam na ideia de superioridade
de um grupo ante outro com ênfase na desumanização do individuo...
Apesar
de toda essa grandiosidade, Blade Runner 2049 foi mal de bilheteria. O diretor
especula que possa ter sido pela trama que pouco foi divulgada – bem diferente
do que ocorre com a maioria dos blockbusters. Alguns argumentam que o ritmo
lento e o tamanho do filme atrapalharam. Independente dos motivos, o filme tem
tudo para repetir os passos de seu irmão mais velho e se tornar um cult (claro, só o tempo dirá), haja vista
que ele consegue manter a mística do primeiro filme sem parecer uma
corruptela pra arrecadar dim-dim,
acrescentando seus próprios méritos e acertos. É esperar pra ver...
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Blade Runner - 2049 ( EUA, 2017)
Roteiro: Hampton Fancher, Michael Green (baseado em personagens criados por Philip K. Dick)
Direção: Denis Villeneuve
Elenco: Ryan Gosling, Harrison Ford, Dave Bautista, Robin Wright, Mark Arnold, Vilma Szécsi, Ana de Armas, Wood Harris, David Dastmalchian, Tómas Lemarquis, Edward James Olmos
Duração: 163 min.
2 COMENTÁRIOS
Achei muito interessante a maneira em que terminou o filme. Desde que vi o elenco imaginei que seria uma grande produção. De forma interessante, o criador optou por inserir uma cena de abertura com personagens novos, o que acaba sendo um choque para o espectador. Desde que vi o elenco deste filme imaginei que seria uma grande produção, já que tem a participação de atores muito reconhecidos, pessoalmente eu irei ver por causo do ator Harrison Ford, é muito comprometido. Blade Runner 2049 é um filme que vale la pena ver, os recomendo muito.
Concordo plenamente contigo. Estava com um certo receio com esta sequência mas, adorei o resultado...
Abraços e obrigado pela visita...
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