[RESENHA] Laranja Mecânica, de Anthony Burgees


Longe o profeta do terror que a Laranja Mecânica anuncia...
(Alucinação – Belchior)
──────────────────

Laranja Mecânica é daqueles livros pra se ter na estante, mostrar para os druguis, ler e reler de vez em quando. Juntamente com 1984  Admirável Mundo Novo (eu acrescentaria Farenheit 451) formam a trindade distópica da literatura. Ao retratar uma Inglaterra futurística onde a violência das shaikas tomou proporções absurdas, o autor levanta questões sobre a violência urbana das gangues e o papel do Estado em sua propagação; a leviandade de pais permissivos; a eficácia do sistema carcerário; e até que ponto uma pessoa sem escolha é uma pessoa boa. E faz tudo isso regado há muita ultraviolência,  um linguajar próprio, e alguma doses de polêmica. O resultado não poderia ser outra coisa se não algo muito horrorshow.

O livro começa nos apresentado o personagem central, Alex, e seus amigos, adolescentes arruaceiros membros de uma gangue, vivendo a vida de forma caótica. Saem pelas ruas de uma Inglaterra futurística fazendo todo tipo de atrocidades: espancam pessoas, estupram mulheres, brigam com outras gangues, não estão nem aí para a escola e qualquer outra obrigação. Alex vai seguindo nesta vida até que em um desses embates passa do ponto, é preso e escolhido como cobaia num experimento que visa condicionar o ser humano a não cometer mais atos violentos.

A escrita de Anthony Burgees é fantástica. Narrado em primeira pessoa – sobre o ponto de vista de Alex – ele vai nos conduzindo de forma irônica e até um pouco esquisita pra dentro da mente de nosso protagonista. Digo esquisita por que Burgees criou um linguajar próprio para nossos personagens: o nadsat. Um misto de inglês (neste caso, português), russo e a fala cigana que causam uma estranheza num primeiro momento. E o autor queria causar estranhamento mesmo tanto que no final do livro há um glossário com o significado dos termos (posto a revelia do autor),  que vai de cada um usar. Ele intercala essas gírias com uma fala quase coloquial, no caso de Alex, demonstrando que nosso personagem não é alguém que mantém um comportamento violento fruto da ignorância, ao contrário, Alex é alguém inteligente, amante das artes e fascinado pelas músicas Ludwig Van Beethoven. Aqui o autor já começa a levantar a questão de quais os motivos desta violência. No livro, a causa disso parece ser o Zeitgeist...

Laranja Mecânica mostra um futuro distópico que mescla tecnologia com degradação social. E diferentemente dos livros livros citados anteriormente – 1984 e Admirável Mundo Novo – ele se parece muito com o nosso. Não há um governo tirano controlando tudo ou remédios nootrópicos que trazem a felicidade. O autor prefere se focar mais na mente dos personagens e suas forma de agirem do que na representação direta do governo. Esta tática implica em um paralelo direto com a nossa realidade. Até que ponto deixaremos a violência tomar conta de nossas vidas? E como o estado lida com isso? E ainda, ao mostrar os pais de Alex como indulgentes com seu filho deliquente, ele toca na ferida dos pais como responsáveis, em partes, pela situação de Alex...

São perguntas que o autor não responde diretamente mas deixa implícito o que pensa. Quando Alex é preso, ele acaba por se tornar alguém mais cruel do que já era. Há uma crítica forte ao sistema carcerário que não recupera ninguém, só piora. E quando ele sai do cárcere, vê que seus antigos e membros de outras gangues tornaram-se policiais. É o Estado combatendo a violência com mais violência. Mas, este mesmo Estado tem outra ferramenta para combater a violência: condicionamento...

Em algo que lembra os experimentos de Ivan Pavlov, Alex sofre uma espécie de lavagem cerebral e só o fato de pensar em ferir alguém ele passa mal. Algumas pessoas não concordam pois retira o poder de decisão do individuo e o autor levanta um questionamento filosófico: alguém bom, que o é por não ter escolhas, é alguém bom? E, se a resposta for não, importa? E, é justo fazer isso com um individuo? Mas, devemos nos preocupar com algo justo, humano para alguém que faz mal a humanidade? Questionamentos como este são bem atuais num Brasil que estuda aplicar castração química em estupradores e outras forma que, dependendo de quem observa, pode ser vista como punição, castigo merecido, solução dos problemas, desumanização do individuo, tortura e mais um monte de coisas. Qual é o correto? Existe algum que o seja? São perguntas muito apropriadas a serem feitas...   

O autor vai nos levando por esse caminho de questionamentos mostrando uma violência gigantesca. Que, apesar de todas as nuances que cercam a vida de nosso personagem, fica claro que ele é o que é, não só como fruto do seu entorno, mas também porque decidiu ser assim. E falar sobre isso sem mencionar a adaptação homônima feita pelo magistral Stanley Kubrick não dá – é impossível não imaginar o ator Malcolm McDowell quando se pensa no Alex. Pois, este filme, considerado um dos melhores já produzidos, recebeu fortes críticas pela violência. Inclusive, Kubrick, acusado por políticos e autoridades na Inglaterra de instigar a violência nos jovens, decidiu proibir a circulação da obra na terra da rainha. Sem contar que a obra que Kubrick adaptou não continha o último capitulo já que a versão que ele usou, a americana, não apresentava esta parte – decisão da editora, mais uma vez a revelia do autor, que achava que o final destoava do resto da obra. Então, há um final diferente para as duas obras que é fantástico para nós como espectadores...             

Ao final do livro, há uma situação em que determinado grupo tenta se aproveita de Alex com fins políticos. É interessante notar como o autor faz uma retrato nada adocicado da politicagem que, no livro, estão representando os próprios interesses. Foda-se o povo...

Laranja Mecânica é um livro que te faz pensar sobre como nos comportamos como sociedade e até que ponto estamos dispostos a deixar o governo ir para sanar nossos problemas (aqui no Brasil, os problemas que eles mesmos, os políticos criaram) e qual nossa parcela de culpa nisso tudo. Se você gostou do filme, não se faça de rogado e leia esta obra que é deveras horrorshow...

Obs.: eu iria explicar o significado do título, Laranja Mecânica mas achei por bem deixar que você descubra ao ler.

Obs.2: as palavras em itálico no primeiro parágrafo estão no idioma nadsat que são: Druguis (amigos), Shaikas (gangues), Ultraviolência (violência exacerbada) e Horrorshow (maravilhoso, demais, ótimo).


──────────────────
Laranja Mecânica (A Clokwork Orange, Reino Unido,1962)
Páginas: 224
Autor:  Anthony Burgees
Editora: Aleph
Comprar: AMAZON
  


EmoticonEmoticon