Longe o
profeta do terror que a Laranja Mecânica anuncia...
(Alucinação –
Belchior)
──────────────────
Laranja Mecânica é daqueles livros pra se ter
na estante, mostrar para os druguis,
ler e reler de vez em quando. Juntamente com 1984
e Admirável Mundo Novo (eu
acrescentaria Farenheit 451) formam a
trindade distópica da literatura. Ao retratar uma Inglaterra futurística onde a
violência das shaikas tomou
proporções absurdas, o autor levanta questões sobre a violência urbana das gangues
e o papel do Estado em sua propagação; a leviandade de pais permissivos; a
eficácia do sistema carcerário; e até que ponto uma pessoa sem escolha é uma
pessoa boa. E faz tudo isso regado há muita ultraviolência, um linguajar próprio, e alguma doses de
polêmica. O resultado não poderia ser outra coisa se não algo muito horrorshow.
O livro
começa nos apresentado o personagem central, Alex, e seus amigos, adolescentes
arruaceiros membros de uma gangue, vivendo a vida de forma caótica. Saem pelas
ruas de uma Inglaterra futurística fazendo todo tipo de atrocidades: espancam pessoas, estupram
mulheres, brigam com outras gangues, não estão nem aí para a escola e qualquer
outra obrigação. Alex vai seguindo nesta vida até que em um desses embates passa do ponto, é preso e escolhido como cobaia num experimento que visa
condicionar o ser humano a não cometer mais atos violentos.
A escrita
de Anthony Burgees é fantástica. Narrado em primeira pessoa – sobre o ponto de
vista de Alex – ele vai nos conduzindo de forma irônica e até um pouco
esquisita pra dentro da mente de nosso protagonista. Digo esquisita por que
Burgees criou um linguajar próprio para nossos personagens: o nadsat. Um misto de inglês (neste caso,
português), russo e a fala cigana que causam uma estranheza num primeiro
momento. E o autor queria causar estranhamento mesmo tanto que no final do
livro há um glossário com o significado dos termos (posto a revelia do autor), que vai de cada um usar. Ele intercala essas
gírias com uma fala quase coloquial, no caso de Alex, demonstrando que nosso
personagem não é alguém que mantém um comportamento violento fruto da
ignorância, ao contrário, Alex é alguém inteligente, amante das artes e
fascinado pelas músicas Ludwig Van Beethoven. Aqui o autor já começa a levantar
a questão de quais os motivos desta violência. No livro, a causa disso parece
ser o Zeitgeist...
Laranja
Mecânica mostra um futuro distópico que mescla tecnologia com degradação social.
E diferentemente dos livros livros citados anteriormente – 1984 e Admirável
Mundo Novo – ele se parece muito com o nosso. Não há um governo tirano
controlando tudo ou remédios nootrópicos que trazem a felicidade. O autor prefere
se focar mais na mente dos personagens e suas forma de agirem do que na
representação direta do governo. Esta tática implica em um paralelo direto com a
nossa realidade. Até que ponto deixaremos a violência tomar conta de nossas
vidas? E como o estado lida com isso? E ainda, ao mostrar os pais de Alex como indulgentes com seu filho deliquente, ele toca na ferida dos pais como
responsáveis, em partes, pela situação de Alex...
São perguntas
que o autor não responde diretamente mas deixa implícito o que pensa. Quando Alex
é preso, ele acaba por se tornar alguém mais cruel do que já era. Há uma
crítica forte ao sistema carcerário que não recupera ninguém, só piora. E quando
ele sai do cárcere, vê que seus antigos e membros de outras gangues
tornaram-se policiais. É o Estado combatendo a violência com mais violência.
Mas, este mesmo Estado tem outra ferramenta para combater a violência:
condicionamento...
Em algo
que lembra os experimentos de Ivan Pavlov, Alex sofre uma espécie de lavagem
cerebral e só o fato de pensar em ferir alguém ele passa mal. Algumas pessoas não
concordam pois retira o poder de decisão do individuo e o autor levanta um
questionamento filosófico: alguém bom, que o é por não ter escolhas, é alguém
bom? E, se a resposta for não, importa? E, é justo fazer isso com um individuo?
Mas, devemos nos preocupar com algo justo, humano para alguém que faz mal a
humanidade? Questionamentos como este são bem atuais num Brasil que estuda
aplicar castração química em estupradores e outras forma que, dependendo de
quem observa, pode ser vista como punição, castigo merecido, solução dos
problemas, desumanização do individuo, tortura e mais um monte de coisas. Qual é
o correto? Existe algum que o seja? São perguntas muito apropriadas a serem
feitas...
O autor
vai nos levando por esse caminho de questionamentos mostrando uma violência
gigantesca. Que, apesar de todas as nuances que cercam a vida de nosso
personagem, fica claro que ele é o que é, não só como fruto do seu entorno, mas
também porque decidiu ser assim. E falar sobre isso sem mencionar a adaptação
homônima feita pelo magistral Stanley Kubrick
não dá – é impossível não imaginar o ator Malcolm McDowell quando se pensa no Alex. Pois, este filme,
considerado um dos melhores já produzidos, recebeu fortes críticas pela
violência. Inclusive, Kubrick, acusado por políticos e autoridades na
Inglaterra de instigar a violência nos jovens, decidiu proibir a circulação da
obra na terra da rainha. Sem contar que a obra que Kubrick adaptou não continha
o último capitulo já que a versão que ele usou, a americana, não apresentava
esta parte – decisão da editora, mais uma vez a revelia do autor, que achava
que o final destoava do resto da obra. Então, há um final diferente para as duas
obras que é fantástico para nós como espectadores...
Ao final
do livro, há uma situação em que determinado grupo tenta se aproveita de Alex
com fins políticos. É interessante notar como o autor faz uma retrato nada
adocicado da politicagem que, no livro, estão representando os próprios
interesses. Foda-se o povo...
Laranja Mecânica é um livro que te faz pensar
sobre como nos comportamos como sociedade e até que ponto estamos dispostos a
deixar o governo ir para sanar nossos problemas (aqui no Brasil, os problemas
que eles mesmos, os políticos criaram) e qual nossa parcela de culpa nisso
tudo. Se você gostou do filme, não se faça de rogado e leia esta obra que é
deveras horrorshow...
Obs.: eu iria explicar o significado do título, Laranja Mecânica
mas achei por bem deixar que você descubra ao ler.
Obs.2: as palavras em itálico no primeiro parágrafo estão no idioma
nadsat que são: Druguis (amigos), Shaikas (gangues),
Ultraviolência (violência exacerbada)
e Horrorshow (maravilhoso, demais, ótimo).
──────────────────
Laranja
Mecânica (A
Clokwork Orange, Reino Unido,1962)
Páginas: 224
Autor: Anthony Burgees
EmoticonEmoticon