[CRÍTICA] filme, A Forma da Água

Num relato belo e emocionante, Guilhermo del Toro nos brinda com uma história de amor inusitada que mais parece uma poesia em forma de filme
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Histórias de amor permeiam quase todas as formas de arte vigente. Sendo assim, torna-se fácil criar um enredo onde o sentimento prevalente e catártico seja o amor entre dois indivíduos. Entretanto, cinema e literatura já criaram tantas histórias de amor que criar algo que se destaque não é tão simples. Tecer uma ideia que não se esvaia da nossa mente de forma instantânea requer uma porção a mais de envolvimento criado a partir dos personagens e do enredo abordado. E é isso que vemos em A Forma da Água.

Guilhermo del Toro surgiu para o mundo com o excelente filme O Labirinto do Fauno. Mas, antes disso, ele já havia feito coisas interessantes como A Espinha do Diabo, Blade II e Helboy. E , uma coisa que sempre esteve presente em suas narrativas foi a estranheza e o fantástico, sempre ornados com um design de produção de encher os olhos. Aqui, todas essas nuances que definem a carreira do cineasta estão presentes, porém, ele apresenta todo  esta gama de imagens e sensações através de um conto de fadas que evoca a estranheza de uma improvável relação entre duas personagens tão diferentes mas que sabem valorizar aquilo que às aproxima.


O filme, que assumidamente pelo autor é uma homenagem ao Monstro da  Lagoa Negra, ocorre numa Guerra Fria pulsante. Elisa (Sally Howkins), uma faxineira que trabalha numa instalação do exército  americano, cumpre suas funções de forma quase pontual mas competente. Tem como amigos próximos seu vizinho Giles (Richard Jenkins) – que gosta de filmes antigos e trabalha como ilustrador – e a amiga de profissão Zelda (Octavia Spencer), que além de amiga, serve como um anjo protetor. A vida de Elisa muda quando uma criatura vinda de algum canto da América do Sul – vista como divindade pelos nativos – da entrada na instalação militar.

De cara, Elisa simpatiza pela criatura que, assim como ela não pode falar – Elisa perdeu a voz por conta de alguma forma de violência no passado – e, assim como ela no passado, hoje, a criatura, sofre com a violência causada pelo agente Strickland (Michael Shannon). Durante a madruga, Elisa e a criatura, que fica presa em tanque de água, ouvem música, comem ovos, criam sua forma de comunicação e acabam se apaixonando.

Nesta espécie de contos de fadas moderno os papéis se invertem: não é a donzela que está em perigo e sim o macho que sofre com as desmazelas de quem não o entende. Esta inversão de papéis é um retrato fiel dos tempos e casa perfeitamente com a premissa que o autor traz à tona ao abordar o romance – e o sexo – de indivíduos diferentes não se atendo a apresentar esta miscigenação no casal central. Giles, Zelda, Elisa, assim como a criatura, fazem parte de grupos minoritários que precisam sempre provar seu valor ante uma parte da população que insiste em não aceitar aquilo que não lhe é comum, que lhe é diferente. Até o personagem vivido pelo pesquisador Michael Stuhlbarg se mescla com esse enredo de mestiços nos lembrando que maior que nossa missão e nossos ideais, o bem maior direcionado a outrem deve ser maior que nossas obrigações impostas sem razões claras e quando claras, questionáveis. Porém, a paz de Elisa é perturbada quando Strickland decide que irá matar a criatura. Desta forma ela precisa usar de toda sua astúcia para salvar seu donzelo em perigo.

É interessante ver como Del Toro consegue trazer um cinema imersivo. O roteiro, assinado pelo diretor e por Vanessa Taylor, trazem diálogos simples, nada expositivos, que conseguem conectar toda a trama de forma clara e envolvente.  A  personagem de Sally Howkins consegue transmitir suas sensações através de gestos, dos sorrisos, dos olhares. Aliás, todo o elenco está de parabéns, inclusive Doug Jones que mesmo por baixo de uma camada de maquiagem e figurino consegue transmitir sentimentos usando uma coreografia corporal assertiva; a fotografia, que prioriza os tons em verde é uma reflexo da natureza “natural” da criatura que vem de um lugar onde as tecnologias e  a industrialização não deturparam totalmente a relação do homem com a natureza; a trilha sonora é um show à parte tendo até espaço para nossa conterrânea Carmem Miranda.

Entretanto, nem tudo são flores na obra de del Toro. Uma cena desnecessária no restaurante envolvendo Giles destoou um pouco do resto do filme. O diretor já havia conseguido trazer o debate das diferenças e de nossas barreiras psicológicas contra elas por toda a narrativa. Aquela cena mais pareceu uma forçação de barra. Outro ponto é Strickland. Apesar da ótima interpretação de Shannon, pra mim, a personalidade totalmente má do agente destoou do resto do filme. Claro que há um atenuante pois se pensarmos nos vilões dos contos de fadas, eles são assim mesmo, maus em sua essência, porém, nesta modernização dos contos de del Toro, caberia mais um vilão que fosse como os atuais: pessoas normais, que te abraçam num momento exibindo um longo sorriso que esconde uma personalidade maquiavélica a espreita de uma oportunidade para nos atacar.


Antes de finalizar estes apontamentos – que já estão longos demais, rs – tenho de vos lembrar que estamos falando de Guilhermo del Toro, sendo assim, a magia e o surreal estão presentes. A criatura, que em muito se parece com o personagem Abe de Helboy, não é tida como divindade à toa pelos nativos. E é bom ver quando um filme consegue casar a irrealidade de forma tão competente que até parece que aquilo é A realidade.

No final das contas, A Forma da Água é uma história de amor improvável que nasce num mundo globalizado que insiste em criar muros e cercas para separar o diferente esquecendo que, seja através da costela de um homem, ou de processos físicos químicos numa sopa primordial, somos todos descendentes de um ponto ancestral comum e é através do enaltecimento das nossas semelhanças que veremos o mágico acontecer. Palmas para del Toro que conseguiu transmitir de forma quase perfeita esta ideia.      


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A Forma da Água (The Shape of Water, EUA, 2018)
Roteiro: Guilhermo del Toro, Vanessa Taylor
Direção: Guilhermo del Toro
Elenco: Sally Hawkins, Michael Shannon, Richard Jenkins, Octavia Spencer, Michael Stuhlbarg, Doug Jones, David Hewlett, Nick Searcy
Duração: 119 min.


3 COMENTÁRIOS

A trilha sonora é uma peça perfeita para este filme. Michael Shannon fez um ótimo trabalho no filme. Eu vi que seu próximo projeto, Fahrenheit 451 será lançado em breve. Acho que será ótimo! Adoro ler livros, cada um é diferente na narrativa e nos personagens, é bom que cada vez mais diretores e atores se aventurem a realizar filmes baseados em livros. Acho que Fahrenheit 451 sera excelente! Se tornou em uma das minhas histórias preferidas desde que li o livro, quando soube que seria adaptado a um filme, fiquei na dúvida se eu a desfrutaria tanto como na versão impressa. Acabo de ver o trailer da adaptação do livro, na verdade parece muito boa, li o livro faz um tempo, mas acho que terei que ler novamente, para não perder nenhum detalhe. Sera um dos melhores filmes de ficção acho que é uma boa idéia fazer este tipo de adaptações cinematográficas.

Olá Luciana!
Realmente, a trilha sonora é sensacional. Após o término do filme já fiquei louco pra ouvi-lá!
Quanto a Fahrenheit 451, eu li há muito, muito tempo atrás e recordo pouco da história (só lembro que gostei pra caramba!). Pretendo relê-lo antes de sair o filme. Também fiquei com muita expectativa depois de assistir o trailer. Tomara que não decepcione...
Abraços...

Achei desnecessário arrancar e comer a cabeça de uma gata. Não precisava dessa cena horrorosa... Na minha opinião, estragou o filme


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