Hoje, dia Mundial do Rock, desejo partilhar com vocês, intrépidos leitores, um episódio que me aconteceu. Em sua essência, o fato é simples: não salvei criancinhas de um ônibus em chamas, tão pouco descobri um novo combustível sustentável. Mas o que ele representou para este que vos escreve, foi algo mágico.
Antes de falar sobre mim, tenho de falar sobre Toninho Matemático, meu pai. Apesar de ter uma predileção por músicas sertanejas e pagode, meu pai também gostava de outros estilos musicais e nunca se fez de rogado em gastar umas "graninhas" comprando fitas K7 e LPs dos diversos estilos musicais: desde Beto Barbosa até Sepultura; passando de Sandy&Junior aos barulhentos AC/DC. Meu pai não só comprava o que ele gostava mas também aquilo que falavam pra ele que era bom. Mesmo que, posteriormente, ele não chegasse a escutar o material adquirido, o que era normal. Recordo-me que nos almoços de domingo, a trilha sonora da minha “família Buscapé”, era algo entre Zeca Pagodinho e Rick e Renner.
Nesta época meu pai trabalhava em barragens e vivíamos nos mudando de uma cidade pra outra. Éramos meio ciganos, meio nômades. Às vezes, um ou outro móvel, ou algum eletrônico ficava pra trás. Mas o Box musical do meu pai jamais se perdia. E sempre que algo figurava no “Top 10 da Billboard”, Don Matemático tratava de adquirir. Bons tempos aqueles. Ali por 1996, as coisas ficaram difíceis lá em casa e meu pai ficou um período sem emprego fixo. Tivemos de fazer cortes em várias nuances capitalistas de nossas vidas, o que incluiu a faceta musical.
Apesar de não adquirirmos materiais novos, os exemplares antigos sempre foram guardados e zelados com muito cuidado.
Apesar desta diversidade de estilos, meus ouvidos poucos acostumados com os riffs e distorções, raramente se davam ao trabalho de vasculhar o vasto acervo musical do senhor meu pai em busca de algo diferente. Normalmente eu ouvia as músicas de preferência de meus irmãos mais velhos: samba/pagode. Meus colegas, em sua maioria, também partilhavam deste gosto musical. Não podemos esquecer que o samba/pagode estava em alta em terras tupiniquins nessa era. Em resumo, meu gosto era um retrato do cenário pop massificado (redundância ???). Mas o ano de 1998 veio pra mudar este quadro.
Alguns anos antes, no final da década de 80 e inicio da década de 1990, o rock, tanto nacional quanto internacional, viveu uma época muito boa. Legião Urbana, Capital Inicial, Plebe Rude, Rosa Tattooada – dentre outros – fizeram alvoroço por aqui. Já no resto do mundo Metallica lançava o álbum “Black”, Pearl Jam o “Ten”, Nirvana “Nevermind”, e tínhamos também o Guns n’ Roses (tranquilos meus caros. A rápida menção a Axl e sua trupe não tem nada de negativo. É que falarei melhor sobre eles posteriormente), dentre outras. Porém, tudo isso era desconhecido pra mim. Até que um dia algo mudou. Claro, já havia escutado uma ou outra música de uma das bandas supracitadas, mas algo avulso, normalmente por acaso em uma estação de rádio ou na trilha sonora de uma novela ou filme. E quando ouvia, nem fazia questão de saber quem era a banda que tocava ficando uma música, de certa forma bastarda pra mim.
Naquela época, apesar do Cd já ser uma realidade pra muitas pessoas, ainda não possuíamos um CD player. Então, basicamente, quando queríamos uma música específica, pedíamos para um de nossos amigos, que já possuíam CD player, pra gravar num K7 a musica. Ou, mais trágico ainda, deixávamos a fita no cabeçote do radio e quando uma música bacana tocava na estação de rádio, corríamos e apertávamos o REC e pronto, estava feita nossa “falsificação”. Era engraçado isso. Em muitas ocasiões, entre o começo da música e o aperto do Rec, alguns segundos passavam. Então, não raro, eu tinha músicas sem o inicio. Ou pior, quando o locutor começava a falar antes da música terminar e, não tinha jeito, ficava registrado no K7. Entendam, Shaw Fanning recém havia criado o Napster e até eu ter acesso a computadores e internet, levariam anos.
Antes das vacas magras, comprávamos fitas virgens para o processo descrito acima. Entretanto, quando a grana ficou curta, começamos a gravar em cima das K7s que eram pouco – ou nada – tocadas. Fitas essas que ficavam na seção “Não Gostamos de Vocês”.
Havia pedido pra um amigo meu gravar em uma fita pra mim, um CD do grupo musical britânico, Spice Girls (eu sei, eu sei, podem jogar as pedras e começarem a crucificação), e fui procurar um das fitas que ficavam na seção “Não gostamos de vocês” pra gravar em cima.
Nesta procura, achei um K7 com uma “capa” bem interessante do que parecia ser uma escultura de um cara de pernas cruzadas escrevendo num livro. O nome da fita: “Use Your Ilusion II” de uma tal de Guns’N Roses. Nunca tinha escutado nada destes doidos, e se tivesse, devia ser algo pertencentes as músicas bastardas.
Quando pegávamos essas fitas pra gravar em cima, habitualmente, não as escutávamos pra saber o que tinha. Mas com aquela foi diferente. Achei a capa bonita e decidi ouvir pra ver o que tinha. E aquilo, musicalmente falando, foi um divisor de águas para o jovem Ricardo.
Como não rebobinávamos as fitas, ela estava pela metade e quando a pus pra tocar, estava bem no meio de uma faixa chamada "Estranged". Achei do caralho. Voltei toda a fita, e ouvi ambos os lados – umas duas vezes seguida.
É difícil explicar a sensação boa que senti ouvindo aquele K7. Não sei pra vocês, mas pra mim, amante de música, foi algo sensacional. Já havia escutado duas músicas daquele álbum anteriormente: “Dont’ Cry” e “You Could Be Mine”. Esta segunda como trilha sonora do épico “Exterminador do Futuro II”. Mas de forma solta.
Não fora a primeira vez que escutei um “disco” completo e gostei muito. Nem a primeira vez que ouvi músicas ótimas. Mas nunca tinha escutado um “disco” e gostado dele quase que por inteiro e de forma quase mágica.
Lembro-me de colocar os fones no ouvido e erguido o volume no máximo. Aquelas músicas me incutiam uma vontade de, sei lá, sair, correr o mundo, conhecer pessoas, gritar e, principalmente, fazer música.
Naquela época já sabia tocar alguns instrumentos de percussão (sim, eu tocava pandeiro em um grupo de pagode). Mas ouvir aquelas músicas, aquele barulho, aquela gritaria, me deu vontade de escrever letras de músicas. E tocar violão. Aprendi a tocar violão (infelizmente nunca passei de um “violeiro” entre meia boca e ruim). Mas escrevi algumas músicas razoáveis. E neste embalo de tentar escrever letras de músicas, peguei o hábito de escrever que carrego até hoje.
Depois daquele dia, tive acesso a muita coisa boa no mundo do Rock. Inclusive acabei gostando mais de outras bandas (como Nirvana), mas a importância daquele álbum, “Use Your Ilusion II” pra esse ser em formação, foi algo de muita valia.
Esta foi uma pequena homenagem que resolvi fazer pra celebrar o dia do Rock. Em baixo segue uma apresentação de uma das músicas que mais ouvi (e ouço) daquele álbum.
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