Antes de ser um livro sobre a separação ainda na infância de dois irmão, O Silêncio das Montanhas é um retrato emocionalmente triste e inevitável das angústias que todas as relações humanas acarretam...
Nota: ★★★★★
Algumas
histórias tem o dom de nos fazer ter esperanças mesmo que o mundo esteja
desabando ao nosso redor. Outras tem o dom de nos divertir e ver que a vida
pode ser levada de forma leve. Mas algumas parecem que foram feitas com o
intuito de abrir nossos olhos para uma realidade onde nem sempre tudo é
possível e mesmo a felicidade, quando chega, não é tão colorida e vem mesclada
com um tempero agridoce. É o caso do ótimo “O Silêncio das Montanhas” de Khaled
Hosseini. Chegar ao ponto final do livro e não sentir um aperto no peito, quase
como uma facada, é como caminhar no deserto e não ter sede. Só é possível se você tem alguma parte
do cérebro desligada que te impossibilite de se emocionar, de sentir empatia.
De ver que o mundo, ainda que cheio de possibilidades maravilhosas, pode ser um
lugar cruel e que a nossa vida nem sempre é guiada por aquilo queremos.
Quando
lançou o ótimo "O Caçador de Pipas" no ano de 2003, Hosseini conseguiu emocionar
milhares de leitores com sua escrita que penetra o fundo da alma humana. Não há
como negar que ele é um ótimo contador de histórias. Em O Silêncio das
Montanhas, o autor aplica uma narrativa um pouco distinta do que estamos
habituados em suas obras, mas não esconde seu verdadeiro trunfo como escritor:
nos emocionar.
No
livro, acompanhamos a vida de Pari e Abdullah, duas crianças que tem um laço
mais forte que o fraternal que as une. É como se pertencessem a faces diferentes da
mesma moeda. Impossível dissociar um do outro. Porém, a vida nem sempre
funciona como a gente quer e por motivos extremos, Pari e Abdullah são
separados. Aí, temos a saga de duas almas que seguirão suas vidas com oceanos de distância mas o reflexo delas, uma na outra, sempre será uma presença constante.
A
narrativa fragmentada que serve para
mostrar diversos pontos de vista de uma história maior, pode afastar alguns
leitores, haja vista a dificuldade de num primeiro momento, relacionar-se
sentimentalmente com o enredo. Porém, se você se enquadrar nesse grupo, faça um
esforço e dê uma chance a este livro. Mesmo parecendo uma coleção de contos que se entrelaçam, a narrativa é coesa e abre espaço para um alcance maior e serve o objetivo do autor que é nos mostrar as intrincadas relações da vida,
Apesar
de ter como foco principal a vida de Pari e Abdullah, o livro é uma viagem por
gerações e personagens onde atitudes tomadas por um, reflete-se de forma
incomensurável na vida do outro. É uma gama gigante de personagens, vilas e
países que de forma direta ou indireta aglutinam-se para rebater na vida de
Pari e Abdullah. Claro, em se tratando de Kaled Housseini, a guerra não poderia
ficar de fora.
É
impossível fazer um panorama do Afeganistão retratando o modo de vida e de
pensar de seu povo sem mencionar este mal que independente dos avanços
tecnológicos e humanistas que nossa espécie tenha alcançado, consegue parecer
etéreo ao homo sapiens. Mas de forma sábia o autor não foca no conflito em si.
Ele prefere focar-se na vida de gente comum que não pediu pra que a guerra
acontecesse mas que vê sua vida jogada num carrossel de acontecimentos quase
inverossímeis.
Uma
parte muito reflexiva da narrativa é o modo que o autor descreve como os afegãos
que permaneceram no país no decorrer do conflito enxergam aqueles que se
evadiram. É como se não fossem dignos de chamar aquela terra de sua, e
independentemente de estarem corretos ou não, quem pode censurá-los? Ainda há
uma crítica leve, porém marcante, àqueles nativos que decidiram lucrar em cima
das pessoas e organizações que se dispuseram a ajudar na amenização do sofrimento
do povo. São momentos que valem a reflexão sobre nós como seres sociais, éticos
e religiosos. E vale ressaltar que o autor faz isso não forma didática
mostrando onde e como devemos pensar. Isso é feito de forma orgânica e de
mansinho. Quando você se dá conta já está pensando sobre você como um ser
social e em suas atitudes e se questionando se realmente tem sido alguém digno
de nota.
Apesar
de toda tristeza que permeia a obra e um final que parece caminhar para um fim
melancólico e injusto, Kaled Housseini faz questão de deixar uma chama acesa de
esperança na tentativa de mostrar que por mais infeliz, trágica e injusta que
seja a vida, ainda é possível vislumbrar coisas boas para um futuro que mesmo
assustador, pode ser incrível, belo e cheio de surpresas boas.
Boa leitura
O Silêncio das Montanhas (And the Mountains Echoed , 2013)
Páginas: 350
Autor: H. Khaled Hosseini
Editora: Globo Livros
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