Nota: ★★★★★
Quem já leu algum trabalho de Alan Moore, sabe que o autor, costumeiramente, faz uma crítica forte ao sistema vigente no qual se passa a obra em questão, tratando de fazer um paralelo sútil, porém marcante, com a nossa sociedade. Vemos isso, por exemplo, na Graphic Novel “V” de Vingança (mais sobre a obra AQUI ) – sim, aquele da máscara dos Anonymous. Em Do Inferno, Alan Moore vai um pouco mais além: não bastasse fazer uma leitura do zeitgeist, ele reconstrói uma parte sombria da história de Londres entregando sua versão dos fatos sobre os crimes de Whitechapel deflagrados pelo icônico e lendário Serial Killer, Jack, o Estripador.
O
cenário da nossa HQ é uma Inglaterra
no fim da Era Vitoriana. Este período
foi de uma crescente prosperidade para os habitantes da terra da rainha
graças as moedas que entravam aos montes na nação devido a expansão do Império
Britânico e pela consolidação da Revolução Industrial. Claro, que toda esta prosperidade não era uniforme: muitos trabalhadores das fábricas recebiam
quantias ínfimas para viver e, muitos ainda – principalmente mulheres – não encontravam serviço algum. É nesta
Londres suja e poluída pelos resíduos das chaminés que chegamos até o bairro de
Whitechapel.
Quando
o corpo de Mary Nichols – a primeira
vítima Jack, o Estripador – foi descoberto no dia 6 de agosto de 1988, com cortes profundos na
garganta e partes do abdômen removidos, uma onda de medo e especulações
acometeu Londres: quem teria feito isto? Porquê? Foi um crime passional? Mas,
poucos creiam que outras quatro corpos – Annie
Chapman, Elizabeth Stride, Catherine Eddowges e Mary Jane Kelly – também seriam vítimas de tão brutal prática.
Muito
se especulou sobre quem e o porquê dos crimes e várias teorias foram levantadas.
Alan Moore, através de uma extensa pesquisa e juntando elementos da teoria do jornalista Stephen Knight, acrescenta alguns tons seus e, apesar da teoria do jornalista já ter sido desacreditada, você,
acreditando ou não, dificilmente irá negar a genialidade do mago.
Do
Inferno é uma história que não tem classificação livre. As cenas de sexo são explícitas
e a violência aguda é mostrada sem maiores pudores. Os traços de Eddie Campbel, que seguem a tendência impressionista
da época, podem parecer simples mas conseguem atenuar o teor trash da narrativa e ainda servem para
salientar a sujeira e abstração da história resultando num trabalho incrível do
desenhista que fez toda a história em preto e branco.
Tela "A Pulga" de William Blake |
Desde
o início sabemos quem é o assassino. Não há ESTE mistério para ser desvendado. Sendo assim, o autor confia no
roteiro envolvente num misto de fantasia (temos até passagens de um vislumbre do
futuro) e realidade para que o leitor não se entedie com a história. E, como
estamos falando de Moore, espere um afresco brilhante. Seguindo a narrativa por
alguns pontos de vista versando por diversas áreas do conhecimento como arquitetura, Maçonaria, metafísica,
insanidade, história... ,o autor sugere um intricado enredo de mortes em série e terror
para esconder um escândalo que abalaria as estruturas da casa real.
Muitos
personagens históricos são mencionados ou aparecem na HQ: Aleister Crowley,
Oscar Wild, William Blake, são exemplos de personagens reais que aportam por aqui. Meu destaque
vai para uma cena envolvendo a concepção de Adolf Hitler e o eco que isso
provocou no bairro de Witechapel.
Momento da concepção de Adolf Hitler |
Além
de uma narrativa fabulosa, o autor faz questão de colocar um apêndice com as
bases para cada cena em questão que renderiam um livro à parte. É importante
dar uma olhada a cada final de capítulo para situar-se melhor.
Como
disse no primeiro parágrafo, Moore insere em suas histórias uma forte crítica
ao poder dominante. As maquinações das esferas de poder que refletem na vida de
gente comum são mostradas de forma aguda pelo autor e isso nos remete a
pergunta: e nós, o que podemos fazer? Será que seremos algum dia livres disso? Ou
teremos de esperar por um Guy Fowks?
Moore
e Campbel fazem um retrato assertivo da Inglaterra no final do século XIX nesta saga que discorre
sobre Jack, o Estripador resultando em uma obra magnífica, soberba e genial. Não
deixem de ler.
Boa leitura
Do Inferno (From Hell, 1989-1996)
Páginas: 592
Autor: Alan Moore e Eddie Campbel
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