Ano de Lançamento: 2008
Editora: Nova Fronteira
Páginas: 336
Nota: 4/5
(Extremamente spoilerenta)
Se todos ao seu redor vissem demônios, será que você não os veria também? Talvez você pense que não mas, será?
Editora: Nova Fronteira
Páginas: 336
Nota: 4/5
(Extremamente spoilerenta)
Se todos ao seu redor vissem demônios, será que você não os veria também? Talvez você pense que não mas, será?
O livro “A Filha da Herege” de Kathllen Kent, narra a história de uma família, os Carrier, que tiveram o imenso azar de viver numa época errada, e num lugar errado.
A narrativa se passa no final do século xvii. O livro é uma carta que Sarah Carrier escreve para sua neta relatando o perrengue, o infortúnio e a desgraça que sua família passou no episódio que marcou a história americana: o inquérito das bruxas de Salem. O livro foca, principalmente na relação de Sarah com seus familiares, principalmente com sua mãe, Martha, e no episódio de caça às bruxas ocorrido no local.
O livro começa com Martha Carrier, seu esposo, Thomas Carrier e seus filhos, se mudando para Andover, um pequeno povoado puritano, na nova Inglaterra pra recomeçar a vida. Junto com eles, trazem um mal que já de início perturba a vida daquela família e do povoado: a varíola.
Isso, por si só, já seria o suficiente pra abalar qualquer família. Naquele tempo não existia vacina contra a varíola, e tanto o doente quanto a família do enfermo, ficavam numa espécie de quarentena, sem poder sair de seu domicílio.
Mas isso, nada se comparou ao que veio tempos depois.
Os pais de Sarah souberam um dia antes que sua família seria posta de quarentena e aproveitaram pra manda-la, juntamente com sua irmã, para casa da tia de Sarah.
O relacionamento de Sarah e Martha que já não era dos melhores, piorou. Ambas eram obstinadas e voluntariosas e quando Sarah ficou na casa da tia, se alegrou de mais com a convivência lá, torcendo pra nunca mais voltar pra própria casa.
Mas o tempo passou, Sarah retornou pra casa e de tão triste que estava de retornar pro seio materno, chegou até a desejar a morte da mãe.
Mas a forma de Sarah enxergar sua mãe mudaria dali um tempo quando uma praga, tão nefasta quanto a varíola batesse a porta da sua casa: histeria em volta de casos de bruxaria.
A mãe de Sarah, por ser de temperamento difícil, já havia arrumado querelas com vários moradores do local. Pra piorar, quase todos no povoado condenavam a família por ter trago a varíola para lá.
Quando os moradores do local ficaram sabendo dos episódios de bruxaria em Salem, não tardou para que muitas pessoas vissem nisso uma forma de se vingar ou se beneficiar disso. Muitos dos desafetos dos Carrier começaram a acusar Martha de Bruxaria.
Martha sabendo que logo seria levada a julgamento, e sem disposição pra confessar algo que não fez, chama a filha e pede a ela que faça algo que, provavelmente salvaria Sarah, mas que a condenaria à morte. O que realmente aconteceu. Martha foi morta na forca, acusada de bruxaria e heresia. Além dela, outras 19 pessoas morreram acusadas pelo mesmo motivo.
Só tempos depois Sarah realmente entendeu o porque da atitude da mãe e do pai. E se culpou profundamente por ter, em momentos anteriores, ter desejado a morte da mãe pois notou que, apesar de trato difícil, ninguém fez mais por ela e pelos irmãos que a mãe.
Livro muito bom. Bem detalhista que nos transporta pra uma época onde a superstição, e o fanatismo eram comuns e em decorrência disso, fatos abomináveis foram possíveis.
A autora, foca muito da narrativa na relação entre mãe e filha (Martha e Sarah Carrier, respectivamente). Desde as brigas, discussões e por fim, o amor que sempre esteve acima de tudo.
Seu detalhismo sobre a vida naquela época, é impressionante o que mostra que a autora fez uma pesquisa intensa sobre aquele período.
O COMEÇO DE TUDO
Depois que li o livro, fiz uma pesquisa pela net e descobri que o relato é sobre uma família que realmente existiu. Martha Carrier realmente foi presa, torturada, enforcada e acusada de bruxaria.
Toda essa loucura começou quando quatro crianças, no povoado de Salem, começaram a apresentar sintomas estranhos: desmaio, catalepsia, convulsões, diziam ouvir vozes, sentiam que algo às beliscava ... .
O único médico no povoado analisou-as e foi taxativo: a causa de tudo aquilo era possessão demoníaca.
Aquelas quatro crianças foram levadas diante do pastor, num tribunal eclesiástico, pra dizerem quando elas tiveram contato com o tinhoso. Elas revelaram que foi uma escrava das Índias Ocidentais que as iniciou num ritual de vodu. Mas não parou por aí. No tribunal, as meninas começaram a apontar para várias pessoas na plateia, afirmando que elas estavam possuídas e que as enfermidades que elas sentiam eram por conta do pacto que essas pessoas fizeram com o capeta.
Pronto. Isso bastou pra histeria tomar conta do local. Qualquer coisa era motivo pra alguém ser acusado de bruxaria. E o ser humano, com sua sapiência modo ultimate, sempre dá um jeito de aproveitar-se da situação. Sendo ela ruim ou não.
Pessoas que por algum motivo tinham desavenças com um vizinho; um credor; uma paixão não correspondida; por medo; ou simplesmente pela maldade em seu estado puro, acusavam-nos de terem assinado o livro vermelho de Lúcifer. E era só isso que era necessário pra alguém ser acusado de bruxaria: alguém acusar. E nada além de uma confissão era suficiente pra que alguém se livrasse da morte. E para aqueles que resistiam sem confessar, tortura neles. Nessa “brincadeira”, mais de duzentas pessoas foram presas e torturadas e vinte morreram, incluindo Martha Carrier, uma das personagens centrais do livro “Filha da Herege”.
Por mais que algumas pessoas tentassem parar com aquela histeria, este episódio só findou quando, pasmem, pessoas importantes na sociedade (dentre elas, um governador, se não me engano), passaram a serem acusadas de bruxaria.
VOLTANDO AO LIVRO
A narrativa mexeu bastante com minhas emoções. Pra alguém como eu, de mente aberta, nascido no final do séc XX, que vive na chamada era da informação, é algo surreal aquilo que se passou em Salem. É difícil olhar o que passou naquela época sem uma dose cavalar de tristeza, raiva e incredulidade.
Pessoas que por não seguirem o “padrão normal” da sociedade, serem taxadas de satânicas e terem suas vidas destruídas. O irônico de tudo foi que algumas pessoas que começaram acusando outras de bruxaria, acabaram sendo vitimas do próprio veneno: acabaram por serem, também, acusadas de bruxaria.
Lembram-se da minha pergunta no inicio do texto? Pois é. Sinceramente, creio que quando algo ruim toma grandes proporções, espere tanto pelo lado bom quanto o lado ruim do ser humano. E isso não é exclusividade das religiões. Talvez o exemplo máximo de que seguimos um fluxo de massa, mesmo que seja ilógico, foi o que ocorreu na Alemanha nazista. E é bem provável que a grande maioria de nós, se tivéssemos vivido naquela Alemanha, fossemos adeptos incondicionais daquela política racial totalmente sem lógica simplesmente pelo fato de a maioria ser adepto dela. É difícil ficar imune ao Zeitgeist vigente.
Não dá pra subestimar o poder que o medo pode provocar nas pessoas. Mesmo pessoas que não acreditavam naquela histeria, acabavam por fingir acreditar naquilo e até acusavam outras pessoas de bruxaria na tentativa de se mostrarem atentos aos planos de satã.
Outro fator é que estamos sempre procurando um culpado pra nossos fracassos. No livro, se a colheita não era boa, foi porque a vizinha ao lado pediu ao tinhoso que estragasse a colheita. Assim também se passa na vida real. Se não conseguimos alcançar nossos objetivos, logo tratamos de achar um agente externo pra levar a culpa.
Livro mais que recomendado.
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