Apresentando
um lado humanizado de Jesus Cristo, José
Saramago nos apresenta sua visão das escrituras e deixa às seguintes
perguntas: Jesus foi um Deus abençoado? Um homem com dúvidas em relação a sua
missão redentora? Ou um misto disso?
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José Saramago, em uma de suas entrevistas, afirmou que seus livros não eram feitos para que as pessoas se sentissem bem, mas sim, para deixa-las inquietas, desconfortáveis. Caso o autor não tivesse consigo isso em seus livros anteriores, sem dúvidas alguma, ele teria conseguido atrair os holofotes da inquietação com o polêmico “O Evangelho Segundo Jesus Cristo”. Trazendo um Jesus humanizado, um Deus questionável, um demônio não tão maligno assim e seu sarcasmo característico, Saramago apresenta uma outra forma de ver a narrativa bíblica o que, é claro, gerou protesto robustos de instituições religiosas mas que não impediu o livro de ser aclamado pela crítica e público.
O filho de José e de Maria nasceu como todos os filhos dos homens, sujo do sangue de sua mãe, viscoso das suas mucosidades e sofrendo em silêncio. Chorou porque o fizeram chorar, e chorará por esse mesmo e único motivo.
A
primeira coisa que salta aos olhos ao ler um livro de José Saramago é sua escrita.
O autor quase não usa pontuação e seus parágrafos são longos. Apesar de já ter
lido outros dois livros do autor, “Ensaio Sobre a Cegueira” e “Caim”, confesso
que nas primeiras páginas patinei pra me acostumar. Entretanto, conforme as
linhas vão passando e você vai se envolvendo com a narrativa, isso deixa de ser um problema e o que fica é uma escrita
rica, nada indulgente e com a ironia marcante do autor. Mas, o que ele, ateu
confesso, teria para escrever sobre Jesus Cristo que não venha a conter um
tanto de heresia e até uma ou outra bobagem? Muita coisa meus caros,muita coisa.
O livro começa mostrando Jesus sendo crucificado e será exatamente onde ele irá terminar. O autor aqui não tenta contar uma outra história sobre a vida de Jesus. O que ele faz é contar a mesma história mas com um olhar diferente. E esta mirada em Cristo, pelas penas de Saramago, tenta trazer ao papel o verdadeiro significado de ser O escolhido numa visão mais humana sem deixar de lado o aspecto divino da história que compreendem as bases do cristianismo. E isso fica bem claro principalmente quando a autor vai discorrendo sobre os milagres de Cristo:
Transformar
água em vinho; expulsar demônios (legião); multiplicar os pães e os peixes;
ressuscitar Lázaro (mais sobre isso adiante); caminhar sobre às águas..., enfim,
está tudo lá, mas não da forma que nos foi apresentado na Bíblia. Há sempre um
componente humano em todas essas passagens que em alguns momentos,
paradoxalmente, acabam tornando a trajetória de Jesus mais iluminada e mais
admirável. E este aspecto da humanidade de Cristo é muito bem trabalhada em
suas relações pessoais. Desde o pai terreno, José, que por determinado motivo
Jesus acaba tendo problemas graves, passando por seu irmão Thiago e até sua
Mãe, Maria, é alvo de uma ou outra contenda com o Jesus de Saramago. Mas, as
relações mais interessantes de Jesus são com esses três personagens: Maria Madalena,
o Diabo e Deus.
Desde O Código Da Vinci, de Dan Brown, nos
debruçamos para saber a real relação de Jesus com Maria Madalena: eles foram
casados? Tiveram filhos? Era ela uma prostituta? Saramago não se acanha em
responder essas perguntas e vai mais além mostrando que Maria de Magdala não só
era bem quista pelo Nazareno como também tinha uma influência muito grande na
vida do Messias. Na passagem de ressuscitação de Lázaro, quando Cristo está a
ponto de proferir a famosa frase “levanta-te e anda”. Maria Madalena o
interrompe pede para que ele não o faça
pois na visão dela, ninguém merece ter de morrer mais de uma vez.
Já
o Deus de Saramago é um ser que não é tratado como infalível. Pelo contrário, é
uma entidade que pode apresentar algumas características que nos fazem
questionar quem realmente é vilão da
história: Deus ou o próximo individuo da nossa lista (há duas frases proferidas, uma por Deus na conversa entre Deus, Jesus e Diabo e outra por Jesus - esta principalmente - no momento de sua crucificação que exemplificam bem o que estou falando).
“Sendo Deus, tens de saber tudo, Até um certo ponto, só até certo ponto, Que ponto, O ponto em que começa a ser interessante fazer de conta que ignoro.”
De
longe o personagem mais intrigante e dúbio da narrativa, o Tinhoso está
presente em vários momentos da vida de Cristo servindo, por um certo período
até como mentor de nosso salvador. A relação entre eles e bem interessante e
cheia de alegorias. Em alguns momentos passou pela cabeça deste que vos escreve
quais eram as verdadeiras intenções do Demônio: prejudicar ou ajudar Jesus? Isso
fica bem evidente em dois momentos. Na passagem, que na Bíblia, o Diabo tenta
Jesus, aqui é visto por uma ótica distinta. É como se Satanás quisesse livrar
Jesus de seu fardo e não pelos motivos apresentados nas escrituras. E o outro momento é na melhor
cena do livro que é quando Jesus vai ao mar se encontrar com Deus. Ambos estão
num barco e, após algum tempo, Satanás aparece, à nado, para participar da
contenda. Esta, sem sombra de dúvidas é a uma das melhores, se não for a
melhor, cena que já li em um livro. O conversa entre Deus, Jesus e o Diabo ficou pairando em minha cabeça por um bom tempo. Uma cena simplesmente fantástica.
Outro ponto que salto aos olhos é a pesquisa feita pelo autor ou no mínimo seu conhecimento da época em questão. São várias passagens, como no tratamento dispensado a Maria por José, que demonstram uma certa perícia em tratar assuntos daquela época.
Claro que um livro sobre a vida de Jesus Cristo, o pilar da maior religião da atualidade não deixaria de levantar protestos acalorados do mundo cristão. Na época de sua publicação o sub-secretário de Estado da Cultura de Portugal, António Sousa Lara, recomendou que os portugueses não o lessem e baniu o livro dos prêmios literários do país. Claro que isso não é surpresa. Apesar de se tratar de FICÇÃO, o livro de Saramago, indiretamente, toca num dos pontos mais delicados e prevalentes do individuo: sua fé. Mas, se você conseguir empacotar sua fé e deixá-la descansando um pouco, aventure-se por este que sem sombras de dúvidas é uma obra excepcional da literatura universal.
Outro ponto que salto aos olhos é a pesquisa feita pelo autor ou no mínimo seu conhecimento da época em questão. São várias passagens, como no tratamento dispensado a Maria por José, que demonstram uma certa perícia em tratar assuntos daquela época.
Claro que um livro sobre a vida de Jesus Cristo, o pilar da maior religião da atualidade não deixaria de levantar protestos acalorados do mundo cristão. Na época de sua publicação o sub-secretário de Estado da Cultura de Portugal, António Sousa Lara, recomendou que os portugueses não o lessem e baniu o livro dos prêmios literários do país. Claro que isso não é surpresa. Apesar de se tratar de FICÇÃO, o livro de Saramago, indiretamente, toca num dos pontos mais delicados e prevalentes do individuo: sua fé. Mas, se você conseguir empacotar sua fé e deixá-la descansando um pouco, aventure-se por este que sem sombras de dúvidas é uma obra excepcional da literatura universal.
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O Evangelho Segundo Jesus Cristo (1991)
Páginas: 428
Autor: José Saramago
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