[RESENHA] A HORA DA ESTRELA, de CLARICE LISPECTOR

Ano de lançamento: 1977
Editora: Rocco
Páginas: 87
Nota: 5/5

Antes de mais nada, gostaria de salientar que uma das minhas metas para este ano no que concerne a leitura era –  além de diversificar os tipos de livros, ler alguns clássicos da literatura universal e nacional. Não só pra conhecer tais obras, mas também por motivos didáticos uma vez que inserir-se em tais livros, segundo especialistas, aumenta nosso raciocínio abstrato, nosso vocabulário e nossa escrita (dentre outras coisas).

Partindo desta premissa que destrinchei a excepcional “A HORA DA ESTRELA”, da ucrano-brasileira Clarice Lispector. E vos digo que foi algo único.

Neste livro, que foi o último escrito pela autora, ela escreve com o pseudônimo de Rodrigo S. M. É um livro muito reflexivo e introspectivo (o que é uma marca da escrita da autora).

O livro, que além de contar uma história, narra o processo de criação da escrita. Metalinguagem pura. Talvez pra quem não é acostumado com escritas mais prolixas, seja um pouco difícil o inicio do livro pois Rodrigo S. M. se delonga nos motivos que o levaram a narrar a história de Macabéa, bem como do processo da escrita em si.

Assim como todo o resto do livro, essa primeira parte da obra é inundada de reflexões acerca da vida e frases de efeito. É difícil passar pela mente de Clarice e não se questionar sobre si mesmo, o mundo e seus valores.

Depois da explanação do autor sobre o processo da escrita, a narrativa entra na história de Macabéa. Rodrigo, um belo dia cruza o olhar com essa alagoana e passa a sentir sentimentos intensos e controversos por ela: em momentos evidência empatia, em outros a odeia, mas, em momento algum a trata com indiferença apesar da "insignificância" de Macabéa.

Macabéa, que após a morte da tia (que lhe criou) parte para o Rio de Janeiro e lá consegue um emprego como datilografa.  Orgulha-se da profissão e sente-se feliz com a vida morna que leva.

Macabéa gasta suas horas livres ouvindo o radio que não toca música. Fica só num barulho de tic e tac e,  vez ou outra, informa alguma coisa. É magérrima, uma vez que alimenta-se unicamente de cachorro quente e coca cola. Quase não fala. É o exemplo da miséria humana. Desconhece que o valor que a sociedade tem por ela é nulo. Na verdade Macabéa mal tem consciência de sua própria existência. Era passiva diante de tudo e por desconhecer outro tipo de vida, acreditava piamente que era feliz e que sua vida era perfeita. Seu único programa era, quando recebia o salário, ir ao cinema e lá vislumbrar, quem sabe um dia, o devir de tornar-se uma estrela (tem sonhos de ser uma espécie de Marilyn Monroe). 

Um dia conhece um migrante do nordeste, Olímpico de Jesus, com quem passa a namorar. Olímpico, um homem ambicioso, sem escrúpulos e que acalenta o sonho de ingressar na carreira política, foi o único namorado que Macabéa teve. Mas o namoro de ambos é singular. Sempre vão a eventos gratuitos – do tipo sentar no banco do praça – e Olímpico se irrita a todo momento com Macabéa que trata logo de se desculpar o que deixa Olímpico mais irritado.

Aliás, sempre que confrontada com algo, Macabéa trata logo de se desculpar. Como no dia que seu patrão a demitiu. Ela não quis saber o porquê e nem pediu para o patrão rever a decisão. O que fez foi pedir desculpas por qualquer coisa de errado que tenha feito o que o desarma e o chefe resolve deixá-la no emprego por mais um tempo.

Certas coisas ocorrem (não vou entrar em detalhes pra não dar tantos spoilers) e Macabéa, através da indicação da colega de trabalho, Glória, resolve ir a uma taróloga.
Macabéa se maravilha com o local extremamente requintado para os seus padrões, e com a forma amigável e polida que Madame Carlota a trata. Carlota vê o futuro de Macabéa que entra em êxtase. Nunca sua vida teve uma perspectiva tão boa de futuro. Aliás, nunca teve uma perspectiva clara de futuro. Saindo da casa de Carlota, Macabéa se encontrava no ponto alto de sua existência. Neste exato momento, nossa tão sofrida personagem deflagra-se com seu grande momento. Finalmente chegou seu momento. Chegou sua “hora da estrela”.

Além da introspecção existencialista que o livro nos leva, a obra nos faz pensar sobre o nossa existência social. Não me refiro somente ao socialismo presente nos conceitos de “mais valia” e “alienação” de Karl Marx, mas também sobre uma perspectiva menos abstrata. A relação simples de como a importância de certas pessoas, para o mundo a nossa volta, é quase nenhuma. Além de trazer à luz da consciência conceitos sobre vida, morte e é claro, a escrita.

Livro EXTREMAMENTE recomendado.




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