COMO UM FATO REAL AFETOU A PRODUÇÃO DE UM FILME, TRANSFORMANDO-O NUM DOS MELHORES FILMES DE SUSPENSE E AÇÃO DOS ÚLTIMOS ANOS!!! :)
No dia 11 de setembro de 2001 o mundo parou para assistir ao vivo o maior ataque terrorista em território estadunidense. Esse foi o estopim de uma nova intervenção no Oriente Médio, numa campanha militar que se arrasta sem uma conclusão satisfatória. E isso que dois atores importantes desse cenário acabaram sendo mortos. Saddam Hussein foi o primeiro a morrer em 30 de dezembro de 2006, condenado a morte na forca. Mas não é dele que iremos falar, mas sim do segundo, e mais importante, ator dessa história: Osama bin Laden...
Kathryn Bigelow já vinha de um filme de sucesso e bastante premiado - entre eles 6 Oscars - "Guerra ao Terror" (The Hurt Locker, 2009) que versava sobre o dia-a-dia de um esquadrão anti-bombas do exército estadunidenses em território iraquiano, uma ação direta dos ataques de 11 de setembro. O filme tinha uma narrativa meio crua, sem muitas concessões, dando a impressão de que não tinha pressa em contar uma história, mas deixando para o espectador um panorama sobre a tensão a que eram submetidos os militares e os civis em geral num país marcado pela guerra, e tendo os seus caminhos ditados por um exército invasor. O filme ganhou o Oscar de Melhor Filme contra outras grandes obras daquele ano, como "Bastardos Inglórios", "Avatar", "Distrito 9", "Preciosa". E conta com o ator Jeremy Renner, pré estrelato de "Os Vingadores"...
Apesar de ser bom, o filme seguinte da diretora, "A Hora Mais Escura" (Zero Dark Thirty, 2012) consegue superá-lo em vários sentidos, mesmo tendo uma história recente e já conhecida. O filme contaria apenas como eram as estratégias, missões e a longa caçada a Osama bin Laden. Mas daí um fato inesperado mudou de forma definitiva o andamento do filme...
Osama bin Laden acabaria sendo morto pelos estadunidenses no dia 2 de maio de 2011...
Acabava aí uma caçada que durou dez anos e duas guerras. E complicava a produção do filme, pois se na película mostraria se valia a pena tanto dinheiro, empenho, vidas perdidas, se nem uma pista sequer havia aparecido até o momento, bom, no final mostou resultado. Boa parte do filme já havia sido filmada, e por isso tiveram de fazer um final diferente, e aí entra uma das polêmicas, pois segundo um senador republicano os produtores do filme utilizaram de informações classificadas como ultra-secretas para recontar os momentos finais da caçada a bin Laden, devido a acuracidade. Até onde se sabe, nada foi confirmado sobre isso. Mas talvez o que mais incomodou grande parte da audiência, e dos mais sensíveis de plantão, foi a representação sem rodeios de como a CIA utilizou de tortura para conseguir informações sobre o paradeiro de bin Laden, sendo que muitos afirmavam que o filme pregava a apologia do uso de tortura. Sinceramente, não vejo desse modo. É claro que houve tortura, e no filme mostra claramente que apesar de toda violência psicológica e física que isso acarretava, não tava levando para parte alguma, apenas a fragmentos de informações. Os primeiros quinze minutos de filme, onde mostra um prisioneiro sofrendo tortura física e mental é simplesmente angustiante. Só se a pessoa for sádica pra gostar desse tipo de coisa...
É nesse momento que entra o grande diferencial desse filme: Jessica Chastain. Confesso que nunca tinha ouvido falar dessa atriz, nunca a tinha visto atuar. Mas o filme é dela. Quando ela é apresentada no começo do filme, a sua personagem, a agente da CIA Maya, assiste ao seu colega Dan (Jason Clarke) torturar com uma naturalidade espantosa um prisioneiro numa prisão secreta por aí no deserto. A figura dela é um contraste naquelas paradas, uma ruiva linda, com aparência delicada e angelical, que se espanta com as torturas empreendidas pelo seu colega. Começou jovem na CIA, logo após se formar no colégio, e desde então ela trabalhou única e exclusivamente na caça a bin Laden, indo parar no Paquistão trabalhar na embaixada dos EUA nesse país. Lá ela conhece o restante da equipe, entre eles Jack (Harrold Perrineau), um analista de inteligência da CIA; e Jessica (Jennifer Ehle), analista sênior da CIA. Após passar por horas de privação de sono, um dos torturados acaba fornecendo informações mais substanciais para os agentes, informações essas que com o passar dos anos levou ao quarto de Osama bin Laden...
É notável no filme a evolução da personagem Maya. Se no começo ela se sentia desconfortável com a naturalidade e brutalidade dos interrogatórios que o seu colega empregava, com o tempo ela acaba comandando esses interrogatórios, e usando a mesma naturalidade e brutalidade do seu colega. Se antes os prisioneiros viam homens fortes e barbados falando grosso com eles, dessa vez eles viam uma ruiva com ares delicados, porém com olhar gélido, humilhando-os até conseguir pelo menos fragmentos de histórias, nem que fosse pra se livrarem de tudo isso. E se não fosse o fato de tais torturas terem ido parar na mídia e sensibilizado a opinião pública, provavelmente o presidente Obama não teria proibido tais expedientes para conseguir a confissão dos prisioneiros. A amizade entre as protagonistas femininas também evolue. Se no começo a agente Jennifer via uma pirralha rival na agência, com o tempo elas acabam se tornando boas amigas, até o seu fim trágico. É depois disso que acontece a transformação mais radical de Maya, que se empenha com todo o fervor na caçada, enfrentado a tudo e a todos, naquele manjado clichê de apenas uma pessoa contra o "sistema". E o discurso também muda. Se antes era para capturar bin Laden, agora o seu empenho era para assassiná-lo, pura e simplesmente. Além da morte da colega Jennifer, pesou que nesses quase dez anos nada de concreto sobre o paradeiro de bin Laden tinha sido levantado, e vários atentados do grupo al-Qaeda ceifaram várias vidas. Era pressão de todo lado...
É por isso que Jessica Chastain merece mais do que aplausos pelo papel do filme. Ela consegue nos convencer do crescimento do personagem na tela, ela nos convence mesmo disso. A sua personagem mostra uma força nem um pouco caricatural, e consegue segurar isso até o final, onde finalmente ela se permite chorar. A atriz perdeu o Oscar de Melhor Atriz para Jennifer Lawrence, mas isso não apaga o seu brilho e a sua interpretação bastante cativante. É raro vermos personagens femininos tendo papel de destaque em Hollywood, mais ainda sendo protagonistas. A Maya de Jessica Chastain veio para nos mostrar que personagem bom não depende de gênero, cor ou idade. Quando é bem escrito, quando o artista se encontra nas nuances da atuação e quando há alguém para dirigí-los eficientemente, um personagem faz toda a diferença.
Não lembro se há algum momento do filme em que a tensão baixa daquele modo que a gente começa a divagar durante a exibição. Há alguns momentos de calmaria, mas todos eles são apenas o prenúncio de alguma tempestade. São quase três horas de filme, mas ele prende do começo ao fim...
As cenas de espionagem conseguem imprimir ao telespectador uma urgência para ver logo como tudo irá acabar, e isso leva apenas para o passo seguinte. A dificuldade para conseguir localizar um "fantasma", um mensageiro que serve de ligação entre bin Laden e os demais cabeças da organização é recompensada com nada mais nada menos com o local onde possívelmente Osama esteja escondido. E aqui cabe um paralelo terrível com o tal do mundo real. Um dos estratagemas para conseguir aferir a identidade dos moradores da residência onde a CIA acredita estar escondido é infiltrar agentes entre os vacinadores da poliomelite que estão indo de casa em casa imunizando as pessoas. Com isso, com o material genético recolhido, eles podem dizer com absoluta certeza que bin Laden se encontra na residência. Mais tarde retorno a esse tópico...
De posse dessa informação, começa uma árdua tarefa de Maya em convencer os seus superiores a aprovarem uma ação tática na residência onde Osama bin Laden encontra-se refugiado. Foram meses de preparação, que consistia em vigilância 24 horas via satélite no local, a preparação e treinamento de um pelotão de elite dos fuzileiros navais apenas para essa missão, e o mais difícil, vencer os meandros políticos. Afinal, as engrenagens do sistema precisam ser constantemente azeitados, e se vão sacrificar um cordeiro, é preciso ter certeza de que outro irá surgir em breve para fazer o maquinário continuar funcionando. Após o sinal verde para a missão, munidos de equipamentos de ponta, entre eles dois helicóptero stealth produzidos em sigilo na Área 51 (eitcha), o regimento alça voo até ao Paquistão, após as 00:30 horas. Daí vem o nome do filme em inglês. "Zero Dark Thirty" é um termo militar que significa após a meia noite. Apesar de todo o planejamento um dos helicópteros acaba caíndo, comprometendo a missão. Nesse momento cabe ressaltar como essa cena da invasão da casa é muito bem feita. Dá a impressão de ser documental, de tão fluída que ela é. Com a ausência de trilha sonora para realçar a ação, essa sequência ainda conta com boa parte dela ser filmada com lentes realçadoras de luz ambiente, usados pelos soldados...
Como num vídeo game, eles vão galgando os níveis da casa até chegar ao quarto de bin Laden, onde ele é morto. Os soldados tiram fotos, embalam o corpo, levam documentos, filmagens e o máximo de dados que podiam antes que as forças paquistanesas chegassem e houvesse confronto. E tudo termina com a chegada na base estadunidense no Afeganistão, onde Maya faz o reconhecimento positivo do corpo, dando fim a quase dez anos de uma caçada que aparentava não ter fim. Não é mostrado o que acontece com o corpo. A proposta do filme era apenas essa mesmo, a caçada, tanto é que também não mostra o que aconteceu com Maya, pois o filme termina com ela chorando dentro de um avião, depois de realizar a missão da vida dela...
O filme foi muito bem recebido, e apesar das polêmicas (torturas, informações confidenciais, entre outras) não têm como negar que o filme prende atenção como poucos atualmente. Não há explosões por toda a parte, não há tiros infinitos ou feitos sobrenaturais, mas uma boa e verdadeira história de suspense que todos sabiam o final, e ação na medida certa...
Retornando a história da vacina dita anteriormente. Acontece que essa história de infiltradores na equipe de vacinação acabou acarretando na recusa da população do Afeganistão, Paquistão e outros "ãos" daquela região de receberem ou mesmo de ir nos postos de saúde tomar vacina. O que tá acontecendo agora em 2014 é que a doença que tava se encaminhando para a sua total erradicação no mundo agora começou a retornar a partir daquela região, de modo virulento, preocupando a OMS que declarou estado de emergência de saúde pública para a poliomelite. Como grande parte da população mundial nasceu após os anos 70/80, não estão imunizados contra a poliomelite, e caso ocorra um grande número de pessoas contaminadas, pode não haver tempo de vacinar todo esse contigente. Atualmente, além de Paquistão, Afeganistão e Nigéria (onde a doença é considerada endêmica), Guiné Equatorial, Etiópia, Iraque, Israel, Camarões e Somália apresentaram casos da doença em 2014...
Nos delicados jogos de guerra, até mesmo a vitória pode representar uma derrota sem igual... :\
Texto: EDWIN GAVILÁN
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