[RESENHA] Crime e Castigo, de Fiódor Dostoiévski

Ano de lançamento: 1866
Editora: 34
Páginas: 56o
Nota: 5/5
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" Decididamente não entendo porque

é mais glorioso bombardear de projéteis uma cidade

do que assassinar alguém a machadadas"

(Fiódor Dostoiévski)

Esta foi minha segunda tentativa de ler Crime e Castigo. Sinceramente, não sei lhes dizer porque abandonei a leitura anteriormente. E agora, quando terminei, não só permaneci na ignorância do motivo de ter abandonado o livro no passado, como fiquei me questionando como alguém consegue deixar de ler este livro. O rótulo de clássico da literatura é pouco para descrever o quão impressionante é esta obra. Dostoiévski consegue imprimir uma veracidade tão impressionante aos seus personagens que parece que a qualquer momento eles irão se personificar e aparecer na sua frente. Creio que de todos os romances que li na minha vida, este foi o que melhor conseguiu imprimir toda a complexidade que é a psique humana.

O mote do livro é o seguinte: Rodion Românovitch Raskólnikov é um ex-estudante que mora num quarto de pensão em São Petersburgo. Teve de abandonar os estudos porque, o pouco que ganha com pequenas traduções, mal dá para seu sustento fazendo com que viva à beira da miséria. A mãe de Raskólnikov eventualmente manda alguns trocados para ele, mas não é o suficiente. Pra completar a renda, o jovem costuma penhorar alguns objetos de valor na casa de uma usurária, Alena Ivanovna – mulher que ele odeia por ser implacável em suas cobranças. 


Tempos atrás quando ainda estudava, Raskólnikov formulou uma teoria que consistia, basicamente, que existem homens comuns (a maioria dos humanos) e homens extraordinários. As leis vigentes são somente para os do primeiro grupo. Já para os extraordinários, esta limitação legal não existe. Uma vez que esses seres estão acima dessas questões. São figuras como Napoleão que, mesmo matando milhares, é tido como herói.. Partindo desta premissa que Raskólnikov – inserindo-se no grupo dos extraordinários – decide matar Ivanovna, pegar o dinheiro dela e voltar a estudar – e de quebra, libertar muitas pessoas das garras da velha usurária.

Apesar de alguns contratempos, Raskólnikov dá cabo de seu plano – crime perfeito, por sinal, sem testemunhas – mas, o que vem à seguir não havia sido previsto pela sua teoria: ainda que creia que fizera algo de bom, Raskólnikov se consome.

Desde as primeiras linhas, Dostoiévski imprime uma escrita magnífica. Todo o aparato psicológico envolvendo os personagens é posto de forma tão intensa que você se questiona se não seriam pessoas reais que você está ouvindo o pensamento. Claro, o destaque fica com Raskólnikov. Um jovem muito inteligente mas que passa o maior tempo no ócio. Que tem muita astucia mas prefere ficar vagando absorto em seus pensamentos pelas ruas de São Petersburgo. O conflito interno que o segue no decorrer das páginas dão a total dimensão do talento do autor. Por mais que Raskólnikov se convença que fez algo correto, ele acaba descobrindo de nem tudo é assim, preto no branco. Suas angústias, aflições, medos, esperanças e delírios não são colocados de forma pífia ou superficial. É tudo feito com uma profundidade e maestria que é impossível não se ver um pouco em Raskólnikov.

Outros personagens também são destaque (pra ser sincero, nenhum é dispensável e todos estão ali pra enriquecer a obra). Poderia citar vários mas, me atenho a dois: o detetive Porfiri que suspeita de Raskólnikov e rivaliza com ele em seus embates psicológicos; e Sônia, uma prostituta de coração puro que tenta mostrar para Raskólnikov que é possível alcançar a redenção mediante a fé em Deus.

Além das angústias dos personagens muito bem apresentadas, uma rápida pesquisa mostra que muito do que consta na obra, são pensamentos do próprio Dostoiévski. Como Ivanovna sendo apresentada como uma usurária implacável, sendo esta uma representação do capitalismo que Dostoiévski tanto odiava. E Sônia, a “prostituta santa” que crê nas providências de Deus. O livro trás em si uma visão, talvez, religiosa embutida nele através do sofrimento como mecanismo para a salvação – ideia esta não presente apenas na figura de Raskólnikov mas em outros que julgam o sofrimento um pagamento por seus deslizes morais.  

O castigo de Raskólnikov não se apresenta na ideia de pagar pelo crime, ou seja, ser preso. Mas sim, na batalha psicológica que ele trava consigo mesmo: hora crendo que agiu correto, hora crendo que não e desejando ser pego; hora crendo que nada importa, hora crendo que tudo é relevante; querendo ficar só mas também desejando a companhia de outros.  O que Raskólnikov acaba por descobrir. de forma empírica, é a veracidade da ideia de que matar muitos é fácil. Difícil, é matar um só.

Além de ser uma leitura formidável, perfeita e beirando o limiar do real, Crime e Castigo devia ser lido por todos. A obra não consta como um dos maios livros já escritos à toa. Este é um dos exemplos de livros que levamos conosco depois que terminamos. Deixe de lado o peso e responsabilidade que a obra evoca e mergulhe nesta aventura magistral.

Boa leitura.


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