[MEMÓRIAS] ...é que o passado me traz uma lembrança!


Tudo sempre parece mais claro quando olhamos pra trás...



Não sei se é a idade chegando ou sei lá o quê - talvez a crise dos trinta anos, mas, ultimamente ando pensado muito na minha infância e início de adolescência. Mais precisamente naquela idade que não se é mais aquela criança ingênua, mas que ainda não é o adolescente revoltado com os pais, o governo e o universo. Uma fase da vida que ainda carrega em si um pouco daquela fantasia natural de mentes prodigiosas. É como se olhássemos para o tecido do espaço/tempo e não enxergássemos a ordem das coisas. Era tudo junto: era uma trama cósmica sem futuro, passado ou presente.  E, uma dessas nuances desta época que invade meus pensamentos e transborda o peito aqui, são das pessoas que partilharem este tempo com este vos escreve.

Antes de ler estes apontamentos, desça até o fim desta postagem e dê play na apoteótica música Poema, Ney Mato Grosso. Não, não é obrigatório mas eu gostei de ouvir a música  - repetidas vezes - enquanto escrevia esses apontamentos.

Apesar de conhecer muitas pessoas, poucas foram as que tiveram o privilégio, ou desprazer, de ouvir coisas íntimas ao meu respeito. Sempre fui muito recluso naquilo que concerne ao que eu sinto e penso. Quando era mais jovem, as coisas eram mais extremas ainda. Paradoxalmente a isso, tive amigos que sem a menor sombra de dúvidas, foram pessoas que enriqueceram as experiências que tive pois não viam problema algum em contar seus mais íntimos sentimentos. Não é sempre que encontramos amigos de verdade e, como vi num filme recentemente, "amigos de infância provavelmente serão os melhores que teremos durante toda a vida'.

Lembro-me de andar com uma galera um pouco mais velha que eu, afinal, era turma que andava com meu irmão mais velho. Sendo assim, eu era sempre o Bob com seu tacape e seu mascote Uni. Normalmente, ouvia as histórias deles sobre isso ou aquilo, normalmente garotas, e ficava pensando quando chegaria minha vez. Bem, um dia chegou. Estudava com ela, era uma garota que meus pares não achavam tão bonita, mas, que para mim era a mais bela dentre todas as flores que eu já tinha visto. Conversávamos muito e a afinidade entre nós era maior que Robert Plant e Jimmy Page. Parecia que os nossos gostos sempre confluíam para o leito do mesmo rio.

Muitos dos meus amigos daquela época notavam a sincronia entre nós e, claro, como todo garoto sabe ser inconveniente, sempre falavam que a gente namorava e eu sempre negava, até com uma ponta de vergonha. Mas, quando ficava sozinho, a verdade é que eu queria que fosse verdade. Entendam, apesar de toda nossa simbiose e de minha desenvoltura junto aos meus pares, este que vos escreve era mais lento para assuntos do coração que Rubinho Baricchelo. E, talvez de forma inconsciente, o medo de rejeição fosse maior que qualquer outra coisa.

Um dia, voltando da escola mais cedo - pra fim de explicação, matamos aula - e ela sugeriu que fossemos num rio que passa pela faculdade num bairro vizinho. Havia - e há até hoje - o que devia ser uma subestação de tratamento de água abandonada, e fomos lá. Durante todo trajeto ela estava meio estranha, pouco falou e toda vez que puxava assunto, suas respostas eram evasivas e monossilábicas.  Após especular mentalmente o que seria, resolvi deixar pra lá.

Chegando no local, conversamos e ficamos em cima de uma ponte que tem lá. Depois de ficarmos tempos jogando pedrinhas na água, ficamos um tempo sem fazer nada. Já devia estar próximo do meio dia e era hora de ir embora. Quando estávamos levantando, nossos olhos se cruzaram. Naquele dia, mais do que em qualquer outro dia, pude perceber o quanto aquela guria era linda. Por um tempo parecia que o tempo havia parado. O vento parou de soprar e, hoje, quase vinte anos depois, posso jurar que até o rio parou de correr. Ficamos ali, um olhando para o outro sei lá por quanto tempo.

Ela colocou as duas mãos em meu rosto e me deu um beijo. Fiquei totalmente sem reação. Aquilo era algo totalmente novo e diferente do que meus amigos diziam. Nem sei explicar direito e palavras não seriam suficientes. Levado pelo choque da situação, fiquei mais calado que defunto em velório. Para cortar o silêncio, ela pegou e me disse que tinha aceitado namorar outro cara. Se você está se pergunto se fiquei sem chão, meu amigo, pode apostar que sim. Ela deu um tempo pra que eu digerisse aquela informação totalmente indigesta e quebrou os segundos mais angustiantes da minha vida até então dizendo que, se não fosse por ele, talvez déssemos certo.

- Mas tem - falei de forma instintiva.

Ela não respondeu. Fomos embora em silêncio.

Depois daquele dia, nossa amizade nunca mais foi a mesma. Por mais que ainda existisse uma afinidade incrível entre nós, ela sempre tinha que ir pois Ele estava esperando. Meus amigos, depois de saberem que ela estava namorando, logo trataram de usar isto contra mim e me zoaram à beça. Ótimo! Aceitei meu calvário tal qual Frodo Bolseiro em sua saga do Anel e segui minha vida. Muitas vezes me pegava lembrando das nossas conversas e, por mais que sentisse sua falta, ficava feliz por ela. Afinal, ela estava feliz e o que mais se pode desejar para um amigo?

Algum tempo depois ela me disse que terminou o namoro. Não me disse o motivo e não perguntei. Tentamos voltar a ser como éramos antes, só que não eram mais possível. Meu séquito de amizades já havia mudado um pouco e, mesmo não tendo desejado nada de negativo para ela, sentia que aquela nossa ligação quase mística havia sido quebrada. Sem contar que já havia encontrado outras pessoas pra ocupar o espaço deixado e, meu orgulho não permitiria deixar o cargo vacante para que ela ocupasse. Um tempo depois ela foi embora e só tive notícia dela uma única vez. Nem sei se ainda está viva ou morta, se teve filho, se casou ou virou freira. Me lembro que no dia anterior a ir embora, ela me passou o endereço postal de onde estava e prometemos nos escrever (lembre-se, internet ainda era algo de Hollywood). Bem, sabe como são essas coisas, nunca se mantém essa promessa. Nunca escrevi para ela. Recebi uma carta dela me dizendo que estava feliz e mandou uma foto. Estava mais linda do que antes, mas a magia já não era mais a mesma.

Hoje, lembrei desse caso e fiquei pensado que depois dos meus dois amigos imaginários que tive - Pilinho e Pelete - esta foi a primeira (o) amiga (o) de verdade que tive e como é interessante isso. Apesar de continuar com minha sina de ser meio recluso com relação ao que sinto, tive muitos amigos deste então e, a exemplo dela, entraram e saíram de minha vida como fregueses em uma lanchonete.  Aprendi muito com todos eles, e acho que eles também aprenderam alguma coisa comigo. E, talvez a vida seja assim: pessoas chegando, marcando nossa vida e depois de um tempo, puf, vão se embora.Talvez para dar lugar para que pessoas novam cheguem, para nos mostrar que tudo é passageiro (coisas boas e ruins). Ou talvez sem razão alguma, como diria nosso amigo Xicó: não sei, só sei que foi assim. E o motivo pouco importa. Quem é agraciado com os amigos - e sou afortunado em dizer que tenho muitos - sabe que independente do tempo que eles fiquem no barco, algo fantástico na acontecerá na navegação. Até as mais fortes tempestades são vencidas mais fáceis quando se tem do lado um bom e velho - ou novo - amigo.

Mas, uma coisa é certa, por mais que muitas pessoas tenham cruzado meu caminho, ninguém foi tão importante quanto os amigos que conheci na minha infância.



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