Tudo sempre parece mais claro quando olhamos pra trás...
Não
sei se é a idade chegando ou sei lá o quê - talvez a crise dos trinta anos,
mas, ultimamente ando pensado muito na minha infância e início de adolescência.
Mais precisamente naquela idade que não se é mais aquela criança ingênua, mas
que ainda não é o adolescente revoltado com os pais, o governo e o universo.
Uma fase da vida que ainda carrega em si um pouco daquela fantasia natural de
mentes prodigiosas. É como se olhássemos para o tecido do espaço/tempo e não enxergássemos a ordem das coisas. Era tudo junto: era uma trama cósmica sem futuro, passado ou presente. E, uma dessas nuances desta época que invade meus
pensamentos e transborda o peito aqui, são das pessoas que partilharem este
tempo com este vos escreve.
Antes
de ler estes apontamentos, desça até o fim desta postagem e dê play na
apoteótica música Poema, Ney Mato Grosso. Não, não é obrigatório mas eu gostei
de ouvir a música - repetidas vezes -
enquanto escrevia esses apontamentos.
Apesar
de conhecer muitas pessoas, poucas foram as que tiveram o privilégio, ou
desprazer, de ouvir coisas íntimas ao meu respeito. Sempre fui muito recluso
naquilo que concerne ao que eu sinto e penso. Quando era mais jovem, as coisas
eram mais extremas ainda. Paradoxalmente a isso, tive amigos que sem a menor
sombra de dúvidas, foram pessoas que enriqueceram as experiências que tive pois
não viam problema algum em contar seus mais íntimos sentimentos. Não é sempre
que encontramos amigos de verdade e, como vi num filme recentemente,
"amigos de infância provavelmente serão os melhores que teremos durante
toda a vida'.
Lembro-me
de andar com uma galera um pouco mais velha que eu, afinal, era turma que
andava com meu irmão mais velho. Sendo assim, eu era sempre o Bob com seu
tacape e seu mascote Uni. Normalmente, ouvia as histórias deles sobre isso ou
aquilo, normalmente garotas, e ficava pensando quando chegaria minha vez. Bem,
um dia chegou. Estudava com ela, era uma garota que meus pares não achavam tão
bonita, mas, que para mim era a mais bela dentre todas as flores que eu já
tinha visto. Conversávamos muito e a afinidade entre nós era maior que Robert
Plant e Jimmy Page. Parecia que os nossos gostos sempre confluíam para o leito
do mesmo rio.
Muitos
dos meus amigos daquela época notavam a sincronia entre nós e, claro, como todo
garoto sabe ser inconveniente, sempre falavam que a gente namorava e eu sempre
negava, até com uma ponta de vergonha. Mas, quando ficava sozinho, a verdade é
que eu queria que fosse verdade. Entendam, apesar de toda nossa simbiose e de
minha desenvoltura junto aos meus pares, este que vos escreve era mais lento
para assuntos do coração que Rubinho Baricchelo. E, talvez de forma
inconsciente, o medo de rejeição fosse maior que qualquer outra coisa.
Um
dia, voltando da escola mais cedo - pra fim de explicação, matamos aula - e ela
sugeriu que fossemos num rio que passa pela faculdade num bairro vizinho. Havia
- e há até hoje - o que devia ser uma subestação de tratamento de água
abandonada, e fomos lá. Durante todo trajeto ela estava meio estranha, pouco
falou e toda vez que puxava assunto, suas respostas eram evasivas e
monossilábicas. Após especular
mentalmente o que seria, resolvi deixar pra lá.
Chegando
no local, conversamos e ficamos em cima de uma ponte que tem lá. Depois de
ficarmos tempos jogando pedrinhas na água, ficamos um tempo sem fazer nada. Já
devia estar próximo do meio dia e era hora de ir embora. Quando estávamos
levantando, nossos olhos se cruzaram. Naquele dia, mais do que em qualquer
outro dia, pude perceber o quanto aquela guria era linda. Por um tempo parecia
que o tempo havia parado. O vento parou de soprar e, hoje, quase vinte anos
depois, posso jurar que até o rio parou de correr. Ficamos ali, um olhando para
o outro sei lá por quanto tempo.
Ela
colocou as duas mãos em meu rosto e me deu um beijo. Fiquei totalmente sem
reação. Aquilo era algo totalmente novo e diferente do que meus amigos diziam.
Nem sei explicar direito e palavras não seriam suficientes. Levado pelo choque
da situação, fiquei mais calado que defunto em velório. Para cortar o silêncio,
ela pegou e me disse que tinha aceitado namorar outro cara. Se você está se
pergunto se fiquei sem chão, meu amigo, pode apostar que sim. Ela deu um tempo
pra que eu digerisse aquela informação totalmente indigesta e quebrou os
segundos mais angustiantes da minha vida até então dizendo que, se não fosse
por ele, talvez déssemos certo.
-
Mas tem - falei de forma instintiva.
Ela
não respondeu. Fomos embora em silêncio.
Depois
daquele dia, nossa amizade nunca mais foi a mesma. Por mais que ainda existisse
uma afinidade incrível entre nós, ela sempre tinha que ir pois Ele estava
esperando. Meus amigos, depois de saberem que ela estava namorando, logo
trataram de usar isto contra mim e me zoaram à beça. Ótimo! Aceitei meu
calvário tal qual Frodo Bolseiro em sua saga do Anel e segui minha vida. Muitas
vezes me pegava lembrando das nossas conversas e, por mais que sentisse sua
falta, ficava feliz por ela. Afinal, ela estava feliz e o que mais se pode
desejar para um amigo?
Algum
tempo depois ela me disse que terminou o namoro. Não me disse o motivo e não
perguntei. Tentamos voltar a ser como éramos antes, só que não eram mais
possível. Meu séquito de amizades já havia mudado um pouco e, mesmo não tendo
desejado nada de negativo para ela, sentia que aquela nossa ligação quase
mística havia sido quebrada. Sem contar que já havia encontrado outras pessoas
pra ocupar o espaço deixado e, meu orgulho não permitiria deixar o cargo
vacante para que ela ocupasse. Um tempo depois ela foi embora e só tive notícia
dela uma única vez. Nem sei se ainda está viva ou morta, se teve filho, se
casou ou virou freira. Me lembro que no dia anterior a ir embora, ela me passou
o endereço postal de onde estava e prometemos nos escrever (lembre-se, internet
ainda era algo de Hollywood). Bem, sabe como são essas coisas, nunca se mantém
essa promessa. Nunca escrevi para ela. Recebi uma carta dela me dizendo que
estava feliz e mandou uma foto. Estava mais linda do que antes, mas a magia já
não era mais a mesma.
Hoje,
lembrei desse caso e fiquei pensado que depois dos meus dois amigos imaginários
que tive - Pilinho e Pelete - esta foi a primeira (o) amiga (o) de verdade que
tive e como é interessante isso. Apesar de continuar com minha sina de ser meio
recluso com relação ao que sinto, tive muitos amigos deste então e, a exemplo
dela, entraram e saíram de minha vida como fregueses em uma lanchonete. Aprendi muito com todos eles, e acho que eles
também aprenderam alguma coisa comigo. E, talvez a vida seja assim: pessoas
chegando, marcando nossa vida e depois de um tempo, puf, vão se embora.Talvez
para dar lugar para que pessoas novam cheguem, para nos mostrar que tudo é
passageiro (coisas boas e ruins). Ou talvez sem razão alguma, como diria nosso
amigo Xicó: não sei, só sei que foi assim. E o motivo pouco importa. Quem é
agraciado com os amigos - e sou afortunado em dizer que tenho muitos - sabe que
independente do tempo que eles fiquem no barco, algo fantástico na acontecerá
na navegação. Até as mais fortes tempestades são vencidas mais fáceis quando se
tem do lado um bom e velho - ou novo - amigo.
Mas,
uma coisa é certa, por mais que muitas pessoas tenham cruzado meu caminho,
ninguém foi tão importante quanto os amigos que conheci na minha infância.
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