[RESENHA] Hell House - A Casa Infernal, de Richard Matheson



Histórias de casas mal-assombradas não são novidade na literatura. Hell House usa deste tema muito enraizado na cultura popular pra destilar o horror de forma ímpar. Desde o início é notável a áurea de mistério que habita aquele imóvel. Junte-se a isso um enredo que mescla o sobrenatural com o cientifico lembrando, em alguns momentos, o debate interno do Padre Merrin e sua busca por saber se a menina está possuída ou não e o uso de Aleister Crowley, um dos nomes mais importantes dentro do misticismo dos últimos tempos para usar como base para compor um vilão extremamente poderoso, doentio e sedento por sangue. O resultado só poderia ser ótimo. 

SINOPSE
Por mais de vinte anos a Mansão Belasco permaneceu vazia. Tida como o 'Monte Everest' das casas mal-assombradas, essa construção de aspecto imponente e sinistro testemunhou cenas inconcebíveis de horror e depravação. No passado, duas expedições com o propósito de investigar os segredos que a casa encerrava terminaram em assassinato, suicídio e loucura para seus integrantes. Agora, uma nova investigação tem lugar, levando quatro estranhos ao local interditado, determinados a esquadrinhar a Mansão Belasco em busca de respostas definitivas sobre a vida após a morte. Cada um dos membros da nova equipe tem suas próprias razões para enfrentar os tormentos e tentações indescritíveis da mansão; mas, será que alguém consegue sobreviver ao mal que espreita na casa?

RESENHANDO
Hell House é um livro que sabe aproveitar ao máximo aquilo que se propôs a fazer e não é sempre que isso acontece na literatura. Por vezes, vemos como alguns autores concebem alguma ideia (ou se apropriam de uma) genial mas acabam fracassando na concepção tornado algo que tinha tudo pra ser fantástico em apenas mais uma história chata. Na literatura de terror, então, isso acaba ocorrendo aos montes. Não é o caso em questão. Apesar de ser um tema muito abordado nas histórias de terror, a casa mal assombrada de Richard Matheson surge como uma referência para os fãs do gênero provando que mesmo uma ideia banal e corriqueira, quando contada da forma correta, se torna algo fantástico.

Um ricaço a beira da morte decide montar uma equipe para uma expedição a uma casa assombrada, tida como o local mais mal assombrado da Terra que pertenceu ao enigmático Emeric Belasco, afim de descobrir se há vida após a morte. Outras duas expedições já haviam sido realizadas no local e ambas fracassaram. O grupo que aceita o desafio com interesses múltiplos que somavam-se a uma bolada em dinheiro ao fim do experimento, era composto por um parapsicólogo, dr. Lionel Barret que acreditava ser capaz de responder todos os eventos ditos sobrenaturais a luz da razão; sua esposa, Edith que além de acompanhar o marido vive a realidade de um casamento limitado; a médium Florence Tanner que vê em todos os cantos  a presença do sobrenatural; e por fim, o único sobrevivente das outras duas expedições a mansão:  Benjamin Fischer, um médium que irá testar seus limites pra tentar desvendar os mistérios da casa.

Matherson, não tirou Emeric Belasco do nada. Ele usou como pano de fundo um dos místicos mais proeminentes, famosos e temidos do século XX: Aleister Crowley, que se autodenominava a Besta. Famoso na Europa, Crowley foi alguém que influenciou muitas formas de arte, desde a música, cinema e literatura. Tinha como principio a frase “faz o que tu queres há de ser o todo da Lei”. Seus rituais religiosos envoltos em orgias sexuais  pra alcançar o contato com o divino serviu para o autor dar uns toques de calor na narrativa tendo influência decisiva nos desdobramentos da história.  

O gênero de terror serviu como pano de fundo para muitos eventos que assombraram por muito tempo a população do globo. O medo da radiação (por meio das bombas atômicas) e suas mutações nos deram monstros gigantes como Godzila; a AIDS nos brindou com filmes de jovens que saem pra acampar e desfrutar a vida de sexo e alegria mas que no fim, descobrem através de uma serra elétrica ou de um mascarado com faca que a vida sem responsabilidade é perigosa. Hell House nos faz pensar sobre a natureza da realidade das coisas. Qual o ponto que define o que é real ou não? E, sabendo o que é real, como nos relacionamos com ele? Além disso, tem um ponto muito forte que serve muito bem para ilustrar uma faceta do momento que vivemos hoje: a era das certezas.  Apesar de escrito em 1971, o livro evoca um assunto  que vemos hoje inundando os debates em redes sociais: são grupos que detém a verdade que de forma alguma estão abertos a um verdadeiro debate dispostos a realmente ouvir o outro e abandonar uma ideia que não condiz com a realidade. Dessa forma, acabam se fechando em uma carapaça de certezas que não deixa espaço pra dúvidas onde quem sai perdendo somos todos nós ante a falta de cooperação mútua que leva o progresso.

Quando o doutor acredita que desvendou todos os mistérios da mansão através de sua nova invenção, ou quando a médium crê que o contato direto com a entidade que habita o local é a chave para desvendar o mistério, ambos se fecham em suas certezas e deixam de ver o todo. Fischer e Edith que são os únicos com dúvidas a respeito dos eventos na Mansão, é que conseguem chegar ao ponto de convergência entre as ideias e vêm nisso um vislumbre de como saírem dali vivos. É uma mensagem de que, por vezes, os dois lados possuem um pouco de razão e é na união entre as ideias que se encontra  verdade das coisas.

Personagens em escritos e bem aproveitados jogados num enredo bem construído que que te provoca a ver a face do mal em cada canto, Hell House é um alento de preciosidade num tema tão batido e mal aproveitado na literatura.

Boa leitura. 



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