"Acabei de ler o livro de Hitler com um entusiasmo cada vez maior. Quem é este homem? Um meio-plebeu, um semideus? Cristo ou apenas João [Baptista]? - Goebells, Ministro da Propaganda Nazista"
Escrito
enquanto Adolf Hitler estava na prisão de Landsberg pelo seu fracassado golpe de estado, Mein
Kampf é um livro que gera repulsa imediata em muitas pessoas e uma certa
idolatria em algumas outras. Como o
próprio führer admitiria mais tarde, era pouco provável que o livro fosse – e seja! – esse sucesso editorial. Nesta
autobiografia, Hitler mescla passagens de sua vida com fatos históricos e
destila um sem fim de corolários racistas, antissemitas e delírios de grandeza
de uma raça superior. Se fosse só mais um livro, provavelmente, os poucos
exemplares vendidos estariam jogados em poucas prateleiras empoeiradas. Porém,
tal obra foi o modelo a ser seguido por um governo que aterrorizou o mundo sendo responsável por mais de 6
milhões de mortes...
Aí,
você que leu o parágrafo acima se pergunta: se o livro traz, a primeira vista,
somente aspectos negativos, porque lê-lo?
Antes de entrarmos neste ponto vamos falar sobre o livro em si...
Podemos
dividir o livro em duas partes. Na primeira, Adolf Hitler narra sua trajetória
de vida até ali e vai nos informando como foi que se tornou, dentre outras
coisas, um nacionalista ferrenho e um antissemita em tempo integral. Nascido na
Áustria, o menino Adolf sonhava em ser pintor contrariando a vontade do pai que desejava ver o filho como funcionário público. Quando seu pai morre, Hitler da
asas a imaginação e se joga de cabeça na ideia de ser artista. Não dá certo,
infelizmente. Nesta primeira parte, o autor já vai deixando latente suas ideias
de superioridade de raça e antissemitismo. Na segunda parte, Hitler discorre sobre como vê o mundo e elenca os passos para,
segundo ele, a Alemanha voltar ao pódio do palco mundial. É principalmente nesta parte
que Adolf diz, clara e objetivamente, tudo o que viria a fazer no futuro.
Holocausto, tirania, guerra, raça superior.., estava tudo lá...
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"A serenidade no olhar de quem matará milhões..." |
Confesso
que tive imensa dificuldade para terminar este livro. E não foi pelo seu
conteúdo em si. Já tive a oportunidade de ler e assistir bastante coisa sobre
este período sombrio da humanidade, então, seu conteúdo, apesar de asqueroso,
não me era estranho. O que tornaram as
horas em frente ao livro verdadeiros exercícios de paciência foi sua escrita. O
livro é confuso, por vezes contraditório, atolado de deduções pseudocientíficas
a fatos pseudohistóricos. Apesar de não ser nenhum idiota, ou justamente por
isso, Hitler sabia que o momento da Alemanha era frágil e por isso, receptivo a
ideias malucas. E, para entendermos isso, precisamos voltar um pouco na história.
Ao
final da Primeira Guerra Mundial, a Alemanha saiu derrotada. Teve de pagar uma
multa pesada aos países vencedores, perdera extensões territoriais, e ainda
ficara praticamente impedida de recriar suas forças armadas. Somado a
isso, a dificuldade de reconstrução
deixou a Alemanha enterrada em uma inflação que passava dos 1000%. Pra muitos
estudiosos, uma economia em frangalhos que ocasiona o sofrimento do povo é
terreno fértil para que ideias insanas tomem forma e dominem as cabeças das
pessoas. E se grande parte da culpa for atribuída a alguém - de preferência,
a um inimigo imaginário - melhor ainda. Foi neste cenário que Hitler escrevia seus
apontamentos...
(E Hitler soube como poucos explorar este conceito. Dono de uma retórica incrível, ele sabia que para convencer as massas, tinha que tocar o coração. Não precisava usar termos técnicos e números para justificar isso ou aquilo. Era preciso criar sensações. Trazer aquele sentimento de pertencimento a causa mostrando que só há um caminho correto...)
Quando
ele começa a restabelecer a economia e, principalmente o moral do povo alemão,
muitos o viam como alguém quase divino. Um mito. Talvez até a reencarnação do próprio
Otto Von Bismarck. Pra explicar o que Hitler conseguiu fazer com a nação alemã antes da guerra , deixo você com um comercial
feito pelo publicitário brasileiro Washington Olivietto a pedido do jornal A
Folha de São Paulo:
Alguns
pesquisadores retrocedem ainda mais para tentar explicar porque Hitler fez o que
fez. Richard Evans, autor da "Trilogia História do Terceiro Reich", argumenta que
esse nacionalismo assoberbado recheado com racismo vem desde a época posterior
ao que seria conhecido como Segundo Reich. Termos famosos usados pelo nazismo como a
Supremacia Ariana, a saudação Heil e Antissemitismo foram cunhados nesta época
- aliás, a suástica também passa a ser usada como símbolo da supremacia da raça ariana
por esses tempos...
No
livro, Hitler usa deturpações das teorias de Darwin para justificar o
extermínio dos que ele considera menos aptos através de um darwinismo racial evitando assim a "contaminação" do sangue alemão. Esta ideia, também
vem de antes da Primeira Guerra. Vale ressaltar que a Alemanha não estava
sozinha nesta ideologia. Muitos países como Estados Unidos, tiveram
seus exemplos de defensores desta loucura. Até Winston Churcill defendia algo parecido. Claro, nenhum foi tão longe como O
Terceiro Reich...
Hitler se mostra particularmente contra o socialismo marxista,
liberalismo e democracia. Acreditava que uma nação que dependesse da imensa
maioria para escolher os caminhos a serem seguidos sucumbiria. O ideal seria um
líder corajoso e forte o suficiente para livrar o país do "câncer" da
miscigenação fazendo o que fosse preciso. Incluindo aí expansão territorial que
ele acreditava ser fundamental para a manutenção do império alemão. E como
conseguiriam isso: através da "boa e velha guerra"...
E
não pense que o ódio de Hitler era destinado somente aos Judeus - apesar de
estes forem o que mais sofreram. Todo e qualquer povo que não fosse
"ariano" era considerado inferior. Dando destaque para dois grupos
específicos: os Eslavos, que compreende os países do leste europeu sobretudo a
Russia; e os Franceses que Hitler odiava pela ideia de igualdade, liberdade e
fraternidade. E lógico, ser controlada por judeus (na cabeça dele, claro). Apesar disso, o livro fez relativo sucesso na França. Como bem
conta no livro Mein Kampf: A História do Livro, de Vitkine Antoine - que narra
a trajetória de sucesso, ostracismo e sucesso novamente, bem como a repercussão
que a autobiografia do fürher teve ao redor do mundo. Sabendo que os franceses
não ficariam muito felizes com o conteúdo do livro, a editora que publicou a
primeira versão da obra pelas terras de Napoleão omitiu as passagens que mencionavam o ódio que Hitler
sentia da frança... (aliás, caso se aventure a ler Mein Kampf, sugiro que leia
logo em seguida a obra de Vitkine Antoine...)
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"Hitler ensaiando poses para seus famosos discursos" FOTO: Heinrich Hoffmann |
Ta
ok! O livro é um aglomerado de bobagens cruéis/hediondas e seu autor promete,
caso chegue ao poder, dobrar o mundo aos seus pés. Como as outras nações
ficaram sentadas esperando que isso acontecesse? Pois bem, é complicado. O
mundo havia saído de uma guerra que havia sido muito cruel e a maioria das
nações não queria um novo conflito. Além disso, muitos (MUITOS) não acreditavam
que Hitler faria mesmo o que fez. Acreditavam que quando chegasse ao poder isso
ficaria só na conversa (ti lembra alguma coisa???). Um dos poucos a notar o
verdadeiro perigo que Hitler representava era Winston Churchill (sim, ele mesmo). Mas quando
realmente foram prestar atenção ao que ele falava/fazia, já era um pouco tarde e o
resto, bem, você sabe no que deu: Auschwitz, Dachau, Treblinka...
"O novo alcorão do fanatismo e da guerra, enfático, palavroso, grosseiro, mas com uma mensagem pujante. - Winston Churchill"
Um
livro difícil de ler, confuso, atolado de mentiras, meias verdades, racismo,
xenofobia e toda sorte de crueldade que você lembrar ou puder imaginar. Mas também revela um
homem inteligente que soube como poucos o valor da propaganda para dominar as
massas, de como um inimigo comum juntamente com um sentimento de superioridade
são o elixir pra deixar um povo embasbacado e cego para todo o resto.
Ler
Mein Kampf hoje, mais de cem anos após sua publicação trouxe controvérsia. Em 2015 quando o livro cai em domínio público, muito se debateu se as editoras deveriam ou não publicá-lo. Para muitos seria um manual que poderia induzir muitos há um pensamento
perigoso. Para outros, ler deveria ser um dever de todos pois não há melhor
propaganda contra este tipo de ideia do que o próprio livro. Eu fico com o
segundo grupo.
Este emaranhado de bobagens que não passa pelo crivo de uma
mente mediana só convence quem já esta propenso a acreditar. Qualquer uma que
raciocine um pouco percebe que os devaneios de um louco nunca serão um meio
aceitável de conseguir qualquer coisa. Ao ter acesso a esta obra, você percebe
que é preciso estar sempre vigilante. Não podemos nos deixar levar por um
carisma fácil e respostas simples. Demonizar o outro não mostra que somos
melhores, pelo contrário! Aí está MeinKampf como exemplo máximo disso...
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Mein Kampf ( Mein Kampf, Alemanha, 1925)
Páginas: 510
Autor: Adolf Hitler
Editora: Centauro
Comprar: Estante Virtual, Mercado Livre.
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Fontes:
Churchill. Uma Vida - Vol. 1
Mein Kampf: A História do Livro
A Chegada do Terceiro Reich