[RESENHA] Revival, de Stephen King

Ano de lançamento: 2014
Editora: Suma de Letras
Páginas: 376
Nota: 4/5




"Não está morto o que pode em eterno jazer/

Em estranhos éons, mesmo a morte pode morrer.

Isso me deu pesadelos. É sério!
(pág. 269) 

"Não consigo parar de ver os condenados.

A fila se estende ao infinito".
(pág. 267)


SINOPSE
Em uma cidadezinha na Nova Inglaterra, mais de meio século atrás, uma sombra recai sobre um menino que brinca com seus soldadinhos de plástico no quintal. Jamie Morton olha para o alto e vê a figura impressionante do novo pastor. O reverendo Charles Jacobs, junto com a bela esposa e o filho, chegam para reacender a fé local. Homens e meninos, mulheres e garotas, todos ficam encantados pela família perfeita e os sermões contagiantes. Jamie e o reverendo passam a compartilhar um elo ainda mais forte, baseado em uma obsessão secreta. Até que uma desgraça atinge Jacobs e o faz ser banido da cidade. Décadas depois, Jamie carrega seus próprios demônios. Integrante de uma banda que vive na estrada, ele leva uma vida nômade no mais puro estilo sexo, drogas e rock and roll, fugindo da própria tragédia familiar. Agora, com trinta e poucos anos, viciado em heroína, perdido, desesperado, Jamie reencontra o antigo pastor. O elo que os unia se transforma em um pacto que assustaria até o diabo, com sérias consequências para os dois, e Jamie percebe que “reviver” pode adquirir vários significados.

RESENHA
Descobrir o que há após esta vida talvez seja a grande questão que assola a humanidade. As religiões e as ciências desde o seu cerne buscam um entendimento do que acontece depois da morte. Por mais que você seja membro de alguma igreja, ou seja ateu, e saiba o que vem após o último suspiro (no caso dos ateus, o que não vem após a morte), não há como não maravilhar-se com isso. E sempre que a literatura se mete a falar sobre, é interessante observar que caminho este ou aquele autor irá percorrer. Em Revival, Stephen King escolhe um caminho onde o desespero e a total presença de esperança são as únicas certezas, além de abordar temas como fé, drogas, recuperação e obsessão.

O livro trata do personagem Jamie Morton e como sua vida será totalmente alterada pela vinda do pastor Charles Jacobs a cidade onde mora. O primeiro encontro de ambos foi quando Jamie era apenas um garotinho e brincava com soldadinhos de plástico num monte de terra. A cena descrevendo a sombra do pastor Jacobs pairando sobre Jamie, é quase um sinal de que toda sua vida terá a presença do pastor sempre a espreita, só esperando o momento correto pra se manifestar.

O inicio do livro, mostrando a infância de Jamie, evoca o sentimento de nostalgia que King consegue nos imprimir como poucos. Já vimos isso em livros como Joyland (resenha aqui ) ou adaptações de suas obras como no filme Conta Comigo (crítica aqui ). é difícil não se identificar com o personagem que faz você lembrar da sua infância e como era bom ser criança. Tudo ia correndo bem na vida do pequeno Jamie até o dia do sermão terrível.

O pastor Jacobs, mudou-se pra assumir a congregação junto com sua esposa e seu filhinho. A vida seguia de forma tranquila. Apesar de novo, o pastor facilmente conseguiu cativar a população. Era um ser carismático e oposto ao esteriótipo do pastor que vê a sombra de satã em cada esquina. Muito além de levar a palavra de Deus aos fiéis, ele era alguém que sabia levar as escrituras até os fiéis de forma a atraí-los pelo amor e não medo de Deus.  Mas uma coisa que, paralelo a sua fé em Deus, sempre o acompanhou foi o fascínio que a energia elétrica e suas possíveis aplicações exerciam sobre ele. Essa obsessão, mais à frente, será a razão de acontecimentos importantíssimos e assustadores na história. 

A boa convivência do pastor com os moradores da cidade é quebrada quando um grave acidente acaba por marcar a vida dele fazendo com que sua fé fosse dilacerada como um peixe servido na refeição de um tubarão. Neste ponto em diante, vemos como a fé (religiosa) será abordada em todo o livro: como algo criado para enganar as massas.

Fé é um tema que já foi abordado de várias formas nos livros de King. No calhamaço A Dança da Morte, vemos como a fé vai norteando a vida dos nossos personagens emulando a trajetória de profetas e apóstolos tendo como figura mediúnica a Mãe Abigail. Já em outro, os pilares da igreja tem sua conduta posta em cheque. É o caso do Padre Callahan, na trama vampiresca Salem’s Lot (resenha aqui ). Em Revival, King aborda a fé de um pontoo totalmente negativo. Aqui, ela é retratada como algo dúbio, enfermo e de viés enganador. As curas e milagres que hoje são muito populares em diversos templos religiosos (transmitidos à todos os cantos via TV e internet), são vistos na narrativa como uma forma de enganar os fiéis e enriquecer quem está a frente disso tudo. Desde o sermão terrível, até o final do livro, a fé é vista como um órgão defeituoso sem maiores importância para um organismo.

Depois do dia em que o pastor abandonou a igreja, Jammie, que também abraçou seu ceticismo com relação a fé, teve uma vida alucinante: tocou em bandas de Rock, viciou-se em drogas e viu como sua vida iria findar-se de forma prematura e estúpida. Até que ele encontra novamente o pastor e, mais uma vez com a interferência direta de Jacobs, ele muda drasticamente seu modo de ver o mundo.

Anunciado como a volta de King aos seus bons momentos de terror, Revival peca pela expectativa exagerada. Tanto a parte inicial e principalmente o final do livro, são de uma precisão assombrosa. Porém, a parte intermediária acaba se arrastando demais. Sim, sim, essa é uma característica nativa de King que usa de toda uma descrição assoberbada  para criar uma atmosfera de tensão e empatia para com os personagens que acabam te envolvendo. Entretanto, diferentemente de Novembro de 63 (resenha aqui ), por exemplo, não consegui ver a razão dessas tantas páginas. Não que isso torna o livro ruim, longe disso. É uma obra fantástica, mas talvez, algumas páginas à menos poderiam tornar a narrativa mais aprazível.

O final do livro é um dos melhores que King concebeu nos últimos tempo. Evocando conceitos dos Mitos de Cthulhu de H.P. Lovercraft ou a Mitologia Amarela de Robert W. Chambers, King consegue trazer uma ideia de desespero e desolação que extrapolam o limite das páginas e lhe assombraram por um bom tempo lhe fazendo fechar o livro e por um peso em cima com medo de que as páginas liberem alguma criatura que irá devorar sua sanidade, seu corpo e sua alma.

Além de Lovercraft, King faz referência a outros grande autores como Mary Shelley e seu ensaio de desafiar o desconhecido. Sem contar as inúmeras referências a outras obras de sua autoria, como a Torre Negra, Crhistine (resenha aqui , Sob a Redoma (resenha aqui ) e Joyland.

Apesar de não ser o melhor trabalho de King, Revival é um ótimo livro que não deve deixar de ser lido. Claro, se tiverem coragem.

Boa leitura. 

2 COMENTÁRIOS

Gostei muito deste livro, principalmente as últimas dezenas de páginas !

Eaí murilei, beleza?!

Realmente, as páginas finais deste livro são incríveis. Talvez um dos melhores finais de King.

Abraços.


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