[RESENHA] O Conde de Monte Cristo, de Alexandre Dumas


Nota: ★★★★★

Toda vez que sofremos alguma forma de injustiça um turbilhão de sentimentos se apoderam de nós. Raiva, angústia, medo, situação de impotência, todos se misturam num turbilhão de sensações que nos fazem questionar a existência de Deus. Pior: quando esta injustiça nos tira toda nossa liberdade destruindo nossos sonhos, desejos, nos afastando das pessoas que gostamos. Pior ainda: quando o mal que nos fizeram é tamanho que chegamos a desejar a morte. Mas, e se tivéssemos a oportunidade de nos reencontrarmos com nossos algozes em condições de fazer justiça? O que faríamos? Mais além: o que separa justiça da vingança? Onde termina uma e começa outra?  E será que justiça/vingança nos trará paz? 

Esses são questionamentos levantados pela incrível obra “O Conde de Monte Cristo” (Le Comte de Monte-Cristo, 1844-1846), do Francês Alexandre Dumas. Publicado em formato de folhetim, o livro fez muito sucesso e trouxe muito dinheiro ao já consagrado autor francês. Assim como seu outro grande livro, “Os Três Mosqueteiros” (Les Trois Mousquetaires, 1844), este também tem uma história bastante conhecida por conta das várias adaptações que ocorreram através dos anos: um jovem marinheiro, Edmond Dantès, é preso no dia de seu noivado sem saber o motivo, passa vinte anos em uma das piores prisões francesas. Posteriormente, consegue escapar totalmente mudado psicologicamente, rico e com ganas de se vingar de seus carrascos. No entanto, assim como a saga de Dartagnan, a história original não é tão conhecida assim. Se vocês leram alguma obra reduzida ou viram alguma das adaptações cinematográficas e gostaram do que leram/viram, saibam que há muita coisa ainda por descobrir. 


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Emulando em certo aspecto o que Josef Campbell nomeou como jornada do herói, Edmond Dantès é daquelas personagens que se tornaram referências para escritas futuras (como a personagem Amanda Clarke, de Revenge, ou a Nina da novela Avenida Brasil). Noivo da bela Mercedes, prestes a se tornar capitão de um navio aos vinte anos, tinha tudo para estar no auge de sua alegria e realmente estava. Porém, este não contava com a astúcia e “maquievelidade” de alguns invejosos.

O livro se passa no período em que Napoleão Bonaparte estava em seu exílio na ilha de Elba. Ser partidário de Napoleão era um crime gravíssimo não havendo perdão por parte do rei Luís para aqueles acusados de tal atitude. Sabendo disso  que três indivíduos arquitetam e executam o plano de acusar Dantès de Bonapartismo: o Juiz de Villefort que tensiona, desta forma conseguir prestígio junto à cora; Danglers, que desejava o posto de Dantès de capitão; e Fernand Mondego, primo de Mercedés que por ela é apaixonado. Sem saber o motivo ele é preso, mandado para o Castelo de If onde ficará enclausurado por nada menos que vinte anos.

É fácil  criar empatia por um personagem assim. Há um sentimento de injustiça que nos toca de forma profunda, por isso, quando Dantès em seu cárcere conhece outro prisioneiro, o Abade Faria, e este vislumbra a possibilidade de uma fuga, começamos a torcer mais ainda por ele. Além de uma companhia, Faria acaba instruindo nosso injustiçado em várias matérias como física, filosofia, línguas faladas e extintas e uma infinidade de outras artes. E ainda promete o endereço de um tesouro escondido que os tornará ricos.

Esta parte retrata muito bem um ponto muito importante na jornada do herói: a do mentor. Abade Faria surge como um figura quase mística auxiliando Dantès na busca de uma razão para continuar vivendo e de quebra passa todos os ensinamentos que este precisará para quando sair dali. Até que nosso querido abade após cumprir seu papel narrativo sai de cena e de uma forma espetacular que nos remete ao renascimento sagrado através das águas, Edmond escapa e possui todos os meios para se vingar.

Daí em diante, Edmond tomará para si de forma personificada o conceito de providência lhe atribuindo aspectos quase divinos. Se caracteriza, no que Carl Gustav Jung denominou de Persona (que seria a face social que o indivíduo apresenta ao mundo) e assumiu várias identidades. Doravante, o rapaz ingênuo e sonhador jaz em algum lugar no passado. O ser que renasce é alguém frio, calculista, inteligente e que não medirá forças para alcançar seus objetivos.

Após ser muitas personas – desde um padre até um marujo – Edmond acaba por fixar-se (não de forma definitiva) na identidade do misterioso milionário Conde de Monte Cristo. Completamente irreconhecível por todos que o conheceram um dia (à exceção de uma personagem), Monte Cristo acaba por ser a pena e a espada de seus adversários que graças aos desdobramentos de sua prisão, estão todos ricos e muito bem estabelecidos na alta sociedade parisiense

Entretanto, vemos como toda uma trama de joguetes e estratégias quase surreais elaboradas por Monte Cristo nos remetem a pergunta: onde fica o limiar que separa justiça da vingança?

Não há o que questionar os motivos de Monte Cristo para sua sede de infligir o mal aos que lhe tiraram grande parte de sua vida, porém, paralelamente a isso, vemos como os caminhos escolhidos por Monte Cristo o levam por lugares sombrios que a despeito de satisfazerem sua tão desejada vendetta, não trazem a tão sonhada paz afastando-o de uma possível felicidade que se encontra ao alcance das mãos. Além disso, sua sede insaciável por vingança, respinga em muitos inocentes que não tiveram papel nenhum em sua derrocada, inclusive sua grande paixão, Mercedés.

Será que era mesmo este o caminho que Monte Cristo deveria seguir? Será que o gosto da vingança não deveria ser trocado pela tentativa de uma vida feliz deixando que o destino se encarregasse do resto? Enquanto executa seu plano de vingança Monte Cristo acaba por ser ele, também, "punido" por seus atos. Porém, seria justo com ele que todos seus algozes que por conta de seu cárcere tiveram uma vida feliz e próspera continuassem assim? Não mereciam eles uma expiação de seus pecados? São todas perguntas que um olhar de fora nos remetem a resposta fácil de deixar pra lá e seguir adiante buscando ser feliz. Mas será que é fácil passar por toda uma gama de sofrimento e ficar alheio aos que nos causaram isto?

Escrito em formato de folhetim, o livro era entregue aos leitores, via de regra, um capitulo por dia. A gana de saber os desdobramentos deste tratado sobre vingança, impulsionaram as vendas do jornal onde era publicado. Como autor teatral e escritor de prestígio, Dumas recebia por linha escrita o que explica, em partes, o volume da obra.

Muitos personagens surgem nas primeiras páginas e depois somem juntamente com sua trama e você se pergunta por que foram colocados na narrativa. Só que mais adiante, por vezes muitos capítulos à frente eles surgem e toda sua trama tem uma implicância importante com a vida de Dantès justificando sua presença nas história. Muitos que leem o livro acabam deixando alguns destes personagens de lado quando aparecem. Não cometa este erro uma vez que serão importantes mais adiante. 


A obra é de um volume desafiador. Mais de 1500 páginas que podem assustar alguns leitores, todavia, a escrita de Dumas  - e o cuidado dos tradutores André Telles e Rodrigo Lacerda - fazem a narrativa fluir sem maiores percalços tornando difícil largar o livro.

Apesar de toda fama junto aos leitores e ser um nome consagrado da literatura, Alexandre Dumas não recebeu por parte da academia um tratamento especial. Diferentemente de muitos autores de sua época como Victor Hugo, que eram verdadeiros ícones da cultura, Dumas fazia mais questão de ser feliz e gozar de sua fama. Assíduo na vida noturna de Paris, não se preocupava muito com o que pensavam seus pares de seus comportamentos nada ortodoxos. Além disso existe a polêmica das colaborações.

Dumas escrevia em parceria com outros autores sendo Auguste Maquet o mais famoso. Muitos questionam até onde quem colaborou com quem e até que ponto livros como O Conde de Monte Cristo são realmente de Dumas.

Polêmicas à parte, não há como negar que a escrita de Dumas é magistral. A criação dos personagem são incríveis. Há um personagem, Nortier de Villefort, que após um AVC só se comunica piscando os olhos. Nortier consegue ser grandioso, sendo inclusive o preferido para muitos que leram o livro.

Independente das atitudes de Monte Cristo serem corretas ou não, sua saga é daquelas que cativam e mesmo hoje, mais de cem depois de escrita, consegue maravilhar e intrigar. O debate acerca dos limites da justiça é um tema muito atual. Com o advento da internet, principalmente a massificação das redes sociais, é comum o uso de imagens que deveriam ser particulares, muitas de foro extremamente íntimo, tornarem-se públicas, numa atitude que visa punir aqueles (normalmente mulheres) que julgam ter cometido algum erro. A saga de Dantès pode servir como ponto de reflexão acerca desta atitude. E não há como um livro ter um valor maior do que nos forçar a pensar acerca de nossas atitudes e do mundo que no cerca. Nisso, não há o que questionar a saga de Monte cristo.

Boa leitura.


O Conde de Monte Cristo (Le Comte de Monte-Cristo, 1844-1846)
Páginas: 1663
Autor: Alexandre Dumas
Editora: Zahar
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[RESENHA] Quatro Vidas de Um Cachorro, de W Bruce Cameron


Muito se discute sobre o papel dos animais no plano espiritual. Animais tem alma? Se tem para onde vão após este plano? Há um paraíso para eles? Recentemente o Papa Francisco anunciou que os cães vão sim para o paraíso. Na divertidíssima história “As Quatro Vidas de Um Cachorro”, o autor W Bruce Cameron dá sua versão do que poderia acontecer com um cachorro após a morte. Pautado num paradigma espirita de reencarnações, propósitos e sentido da vida, Cameron consegue emocionar sem cair no simples sensacionalismo.

De uns tempos pra cá a ideia de bem estar animal vem garimpando um estado cada vez maior na esfera social e política. Hoje em dia, para muitas pessoas, alguns animais de estimação já possuem o status de membro da família. Não é à toa que as redes sociais são palco para muitas das peripécias provocadas por tais indivíduos e logo ganham um número incrível de visualizações. Então, quando um livro se dedica a falar sobre esses animaizinhos, temos de dar nossa atenção.

O livro Quatro Vidas de Um Cachorro, traz em seu título um grande resumo da obra: acompanhamos a trajetória de um cão que vai passando de uma existência a outra e, em cada uma, vai agregando valores, informações e sentimentos. Toda a história é narrada com muito bom humor, carisma e repletos de momentos emocionantes. É difícil passar incólume ante a vida do pequeno Perna Curta e sua saga de ser um cachorro de rua tentando sobreviver; ou a cadela Ellie como policial treinada para salvar vidas; ou a na vida de Urso e sua triste realidade de ser "propriedade" de donos que não estão nem aí pra ele. Mas é em sua passagem por aqui como Bailey que carrega a parte mais emocionante da vida (ou das vidas) do nosso amiguinho. . 

Qualquer pessoa que tem o prazer de ter um cachorro, sabe o quanto um companheiro deste é importante. É como se ele fosse aquele grande amigo que encontramos  cumplicidade e companheiros. Enquanto navegava por essas páginas, era impossível não emocionar-me ou pensar nos meus amigos peludos. Tempos atrás escrevi um texto sobre um dos meus cachorros, Einstein que um belo dia sumiu, que me lembrou muito Bailey e seu menino.  

LEIA MAIS: minha busca pelo cachorro perdido

Mas, claro, para viver todas essas vidas o cãozinho tem que morrer. E, apesar de serem momentos de forte sentimento – confesso que ciscos caíram em meus olhos nessas passagens – o autor se polícia para não abusar de um sentimentalismo excessivo pois, uma situação dessas já é, por si só carregada de sentimentos. 

A grande sacada do autor, ainda, não é só transpor nossa paixão por cachorros para as páginas, mas sim, mostrar como é (ou seria) a vida do ponto de vista do cachorro. Coisas que para nós são simples, para eles não são tão lógicas assim e dependendo da nossa situação, pode ser até confusa para eles. No posfácio do livro vemos que autor além de usar a imaginação, fez uma pesquisa extensa sobre comportamento animal o que foi de vital importância para a ótima qualidade da obra. 

É difícil saber o quanto é ou não real a ideia de cães no paraíso ou os cachorros tendo de encontrar um propósito em sua breve - ou não tão breve - existência. Nós, seres humanos, com toda nossa filosofia e ciência ainda buscamos um sentido para nós. Mas, o que é certo, é que independente de ter ou não propósito mais digno, nós ficamos gratos em saber que um de seus propósitos é ser o nosso fiel e grande companheiro.  

Boa leitura.

Livro: Quatro Vidas de Um Cachorro
Páginas: 288
Autor: W Bruce Cameron
Editora: SHarperCollins Brasil
Comprar: Amazon
Nota: 

[RESENHA] A Escolha dos Três (A Torre Negra #2), de Stephen King


"Três. Este é o número do seu destino.
Três?
Sim, o três é místico. O Três está no coração do mantra.
Que três?"
(A Escolha dos Três)

A Escolha dos Três começa exatamente onde termina O Pistoleiro. Roland está caído próxima a praia onde havia ficado desacordado por dez anos após sua confabulação com o Homem de Preto. Lagostrosidades, animais que mais parecem cães infernais, aproveitam-se de um Roland cansado e sonolento para ataca-lo. Resultado: o pistoleiro perde dois dedos da mão direita. Agora mutilado e apresentando uma infecção em decorrência da mordida das Lagostrosidades, Roland segue em busca da Torre.

Se no primeiro volume as narrativas mais pareciam uma perseguição num deserto infinito e opressor, neste há uma mudança na forma narrativa o que será a tendência dos próximos livros. Esta diferença é justificável tendo em vista o hiato entre uma obra e outra. A série que aparentemente tentava emular a Saga do Anel começa a se distanciar e tomar sua forma. É a partir deste volume que vemos como King pretende continuar sua narrativa. E a mudança não poderia ser melhor.


No primeiro volume, temos algumas breves indicações dos hábitos e costumes de Roland e seu mundo. Aqui, as coisas são aprofundadas e alguns conceitos são explicados como o conceito de Ka e Ka-tet. O primeiro, seria um conceito muito parecido com o que chamamos de destino, já o segundo seria a junção de pessoas ligadas pelo mesmo destino. Então, temos Roland seguindo seu caminho, ou Ka, em busca de seu Ka-tet.

Após uma longa caminhada,o pistoleiro acaba por encontrar três portas sustentadas por nada na beira da praia. Cada uma com uma inscrição: O Prisioneiro, A Dama das Sombras e O Empurrador. Roland precisa atravessar essas portas que levam ao encontro de seu Ka-tet. E é aqui que as coisas ficam ótimas.

A lentidão narrativa de King não é nenhum empecilho nesta narrativa. Os detalhes são muito bem delineados trazendo uma veracidade insidiosa. Este excesso de explicação é de muita importância na apresentação dos novos personagens. E assim somos apresentados aos novos integrantes do KA-tet do pistoleiro. O primeiro, Eddie, um viciado em heroína  que se encontra em uma situação complicada para atravessar um carregamento de droga; a segunda, Odetta Holmes, uma negra ativista perdeu metade das duas pernas após ser empurrada em frente a um trem e que guarda dentro de si mais de uma personalidade; e por último, Jack Mort, que foi o responsável, além da morte de Jake, que conhecemos no livro o Pistoleiro (vá então, há outros mundos além deste), é também o homem que empurrou Odetta Holmes na frente do trem.


A sacada genial de King de como se dá a passagem de Roland por essas portas é bem geniosa. É uma surpresa perceber o que ocorre com o pistoleiro no nosso mundo  e, as descrições dessa parte são bem interessantes e necessárias para sabermos como pensam nossos novos personagens. E que personagens. Cada um deles tem uma  complexidade envolvente somados a alguns problemas de caráter – ou não – de cada um.

Enquanto Eddie se afunda mais e mais nas drogas e vê no irmão Henry uma espécie de herói da decadência, Odetta sofre do transtorno de dupla personalidade e, uma das personalidades, faz com que ela acaba se revelando alguém nada ortodoxa em suas atitudes. Porém, ainda que apresentem seus problemas nota-se que eles possuem suas qualidades. A presença desses personagens ampliam o horizonte da saga ao plantar a dúvida de como Roland irá tirar proveito dessas parcerias, uma vez que tanto Eddie quanto Odetta apresentam sérios problemas. Além disso, a infecção de Roland avança e se não conseguir se tratar, de nada adianta essa ampliação do grupo.

Quanto a Jack Mort, ao contrário do outros dois que apesar dos problemas carregam em si um “Q” de bondade,  este não deixa espaço pra nada dentro de si além da maldade. Em uma rápida olhaad em seu íntimo, Roland sabe que não pode contar com ele e acaba por tomar uma atitude que pode ter desdobramentos catastróficos para ele.

Para muitos, é aqui que realmente começa A Torre Negra. Se no primeiro volume temos um monte de questão levantadas e não respondidas, neste, a narrativa é mais coesa. Há uma preocupação do autor em não levantar uma miríade de indagações que não podem ser respondidas prontamente, sendo assim, o clima meio confuso do primeiro livro fica de fora.

King sempre foi um autor que soube moldar seu personagens para que não parecessem muito genéricos. Há uma profundidade de camadas que fazem o leitor se apegar, odiar e surpreender com cada um deles. Não há como passar indiferente.

Ao final da narrativa, há uma expectativa salutar de que King realmente conseguiu criar algo grandioso mas que continua pecando em amarrar certas pontas da história principal que é a busca pela torre. Agora é esperar os próximos episódios...

Boa leitura.


Livro: A Escolha dos Três (A Torre Negra #2) 
Páginas: 416
Autor: Stephen Kung
Editora: Suma de Letras
Comprar: Amazon
Nota: