Nota: ★★★★★
1984
é o grande clássico das distopias. O mundo, após sucessivas guerras, acabou
dividido em três grandes blocos: Eurásia, Lestásia e Oceania que estão sempre
em guerra, mudando apenas quem ataca quem e qual bloco faz aliança com qual. O livro
foca sua narrativa no personagem Winston Smith, morador de Londres (cidade que
pertence ao bloco da Oceania) funcionário
dO Partido (que controla tudo)que começa a questionar a realidade na qual está vivendo pois
nota que o que vê, ao que tudo indica, não está de acordo com o que o lhe contam.
Falando assim, parece só mais uma distopia que nos últimos tempos lotam as
livrarias com suas narrativas ficcionais e que são esquecidas logo após o ponto
final. Porém, 1984 é uma imersão em um mundo controlado por um governo onisciente
que toca profundamente a psique de quem se aventura por essas páginas.
LEIA TAMBÉM: Alan Moore e sua visão do governo opressor e a apatia do povo
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O
livro é divido em três partes: a primeira trata de explicar o mundo onde
Winston está inserido; a segunda foca nas inquietações do personagem; a
terceira narra o desfecho dessa história. Navegando por essas três partes,
Orwell cria um universo com um forte paralelo com a União Soviética de Stálin. O
Partido que controla tudo está presente em toda seara de relações humanas. Seu comandante
é o onipresente e onisciente “Big Brother” que observa tudo através das Teletelas - espécie de televisões que
além de transmitirem conteúdo servem para espiar a vida das pessoas. Mas, o
monitoramento não fica restrito a isso. A vida de cada individuo é observada de
perto pelos membros do partido e até um sorriso em um momento inoportuno pode
ser indicio de subversão.
E
não é só pelo medo que todos são controlados. Com sua estrutura perene, o estado
cria novas ferramentas para manter-se no controle. Desde novas versões pra
fatos do passado até um novo idioma. Indo além e incutindo nas pessoas a ideia
de que verdades excludentes podem coexistir desde que de acordo com os anseios
e vontade do Partido. É o tal do Duplipensamento: 2+2=5... toda essa maquinaria
dividida entre os vários ministérios do governo, não levam em conta o bem estar
do população e sim a conservação da estrutura do Partido...
No
momento em que escrevo esta resenha, estou lendo o livro Vozes de Tchernóbil (The Chernobyl Prayer, 1997), de Svetlana Alexijevich, Nobel de Literatura. Um
livro fantástico sobre a catástrofe nas usinas nucleares na Ucrânia, e em meio
a tantos relatos, um que se sobressai é a forma como o governo soviético
controla as pessoas. Fica claro, através dos depoimentos, que o Estado anulou o
individuo sobrando um ser que vive em prol dEle. Estado este que usa de
suas artimanhas e hediondez para manter-se vivo. Orwell conseguiu transmitir em
suas páginas essa mesma figura claustrofóbica e temível na figura do Big
Brother. Entretanto, como o autor já disse em entrevistas, seu livro não é
apenas uma critica ao Stalinismo mas a toda forma de totalitarismo e suas
práticas.
Hoje,
sempre consta na ordem do dia de algum mandatário, ou aspirante a tal, a figura de algo ou alguém
que pode levar a derrocada de nossa
sociedade: os imigrantes, as mulheres, os gays, os comunas, os capitalistas.., são muitos os “monstros” à
espreita só no aguardando da oportunidade para dar o bote. Fazem isso com o intuito de causar medo e
repulsa e uma vez que compramos a ideia eles passam a ter o poder de fazerem o
que quiserem. E, vejam, isso não é exclusivo de governos de esquerda. Muitos governos de viés liberais também tem seus monstros a serem combatidos. É só assistir a qualquer jornal que será fácil enxergar isto...
Em 1984, esse grande vilão é Emmanuel Goldstein. Um traidor da pátria com sua eterna tentativa de revolução, porém, o que fica subentendido é que Goldstein nem exista sendo somente um artificio do governo para justificar suas posições questionáveis e sua tirania contra o povo.
Em 1984, esse grande vilão é Emmanuel Goldstein. Um traidor da pátria com sua eterna tentativa de revolução, porém, o que fica subentendido é que Goldstein nem exista sendo somente um artificio do governo para justificar suas posições questionáveis e sua tirania contra o povo.
O
final do livro é de um pessimismo acachapante. Ali, no mistério do Amor (ironicamente chamado assim pois neste ministério é que ocorrem as torturas), vemos
como o Estado usa de todo seu aparato
para obrigar as pessoas a dobrarem-se a sua vontade. Não há escapatória.
Na época, muitos criticaram Orwell por essa visão desesperada e pessimista. O que eles esquecem é do momento histórico no qual o livro fora concebido:
A Segunda
Guerra Mundial recém havia terminado; o mundo ainda respirava
o medo radiônico de Hiroshima
e Nagasaki; a ONU havia aprovado a divisão da Palestina em dois estados contra a vontade
do povo Árabe; Stalin continuava à frente do vasto império soviético; e
tinha se consolidado os dois blocos da Guerra
Fria. Num cenário como este, onde o fim do mundo radiativo se apresentava com
uma ideia nada absurda e os governos demonstravam sua força para além da
misericórdia humana, não é de espantar que Orwell capitou esse negativismo e transcreveu
isso em suas páginas. Eu, da minha parte, achei o final condizente com tudo que
fora apresentado na obra.
1984,
antes de ser um estudo do passado é um alerta sobre o futuro. Sobre como nós,
como sociedade, como povo e como nação nos comportamos ante as pessoas, instituições
e corporações que tentam nos controlar através do medo, do desejo, da
necessidade, do messianismo. E, como bem sabia o Big Brother: “quem controla o passado controla o futuro”.
Pra
fechar este corolário, em uma época em que o medo pode nos levar a acreditar em
qualquer governante que apresente uma solução imbecil, cito uma frase de uma Graphic
Novel que gosto muito, V de Vingança:
"Igualdade, justiça e liberdade são mais que palavras, são perspectivas"
Boa Leitura.
1984 ( 1984, 1949)
Páginas: 416
Autor: George Orwell
Editora: Companhia das Letras
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