[RESENHA] Eu Sou a Lenda, de Richard Matheson

Na tentativa de dar novos ares ao gênero, Richard Matheson consegue ir além debatendo a importância de nossos pares e a implicação disso para nossa espécie... 


Nota: ★★

Quando li o livro Androides Sonham com Ovelhas Elétricas? de Philip K Dick (resenha AQUI) – e que serve de base para o filme cult Blade Runner – não pude deixar de pensar sobre o que realmente nos torna humanos. O que define nossa humanidade? Que fator intrínseco a nós é o que nos separa, psicologicamente, dos outros grandes primatas? Após a leitura de Eu Sou a Lenda, um questionamento de caráter filosófico e antropológico também vem à tona: ao se tornar um ser único, seria você o detentor da forma correta de se viver? Ou, seria você o monstro e todos os outros, semelhantes entre si, os mocinhos da parada? Usando uma epidemia de vampiros para debater assuntos bem reais como solidão, loucura e nosso lugar no mundo, Richard Matheson entrega um dos melhores livros do gênero.

Quem viu o filme Eu Sou a Lenda, com Will Smith e a brasileira Alice Braga no elenco, sabe qual é o plot do livro. Uma epidemia afeta a população mundial transformando as pessoas em vampiros. Ao que tudo indica, somente uma pessoa não é afetada pelo vírus sendo imune a ele: Robert Neville. Acompanhamos a vida de Neville enquanto sobrevive em meio ao caos de vampiros que querem findar com sua vida.

Apesar da mesma premissa, livro e filme tem condução e desdobramentos diferentes – e aqui nesta resenha, discutiremos somente a obra impressa.

Antes de ser um livro pautado pelo medo causado pelos vampiros, o livro é um belo retrato de um homem envolto com a solidão. É difícil imaginar como fica a mente humana privada do simples, porém importante, convívio com seus semelhantes. Não para Matheson. O autor consegue criar um retrato claustrofóbico e angustiante de uma vida solitária onde nosso personagem vê tudo que foi um dia apenas como memória. Sua vida antiga jaz em algum lugar do passado junto com a memória de sua família. É interessante e assustador perceber como a loucura parece querer se apoderar de Neville e ele luta para não deixar se entregar. E, talvez seu maior trunfo seja a ciência.

Richard Matheson, que foi um dos grande escritores do século passado, um dos deuses do terror, concebeu obras fantásticas, mesmo que pouco conhecidas como o caso do excelente Hell House, A Casa Infernal (resenha AQUI). Ainda que com viés sobrenatural, a ciência faz parte da narrativa e isso imprimi um detalhismo e um sentido de realidade maior ainda.

Sendo a última esperança de redenção na Terra, Neville luta com a solidão se protegendo dentro de paredes reforçadas de seres que parecem normais não fosse o fato de terem repulsa a luz, alho e se alimentarem de sangue. Em meio a este caos, o acompanhamos em sua busca de entender e quem sabe, criar uma cura para este mal. E aí está uma sacada genial do autor.

Apesar de ser um tema bem comum desde Drácula de Bram Stoker (resenha AQUI), Richard Matherson vai um pouco além fazendo um estudo mitológico da raiz vampiresca e na sua versão, há razões para a repulsa a crucifixos, bíblias, alho e tudo mais. Em sua exploração antropológica, o autor faz um paralelo destes e outros tantos mecanismos que apavoram os chupadores de sangue que foi inovador e ajudou a popularizar os Vampiros.

Já não bastasse tudo isso, o autor ainda faz questão de deixar uma pergunta que ecoa de forma muito forte: o que define a normalidade? Na parte final do livro, vemos como os valores das coisas mudaram e como a definição da nossa realidade é definida, como bem  definiu Yuval Harari no perfeito Sapiens, Uma Breve História da Humanidade (mais sobre o livro AQUI), por uma "verdade intersubjetiva compartilhada". A crença em algo comum é o que define qual é o lado negro da força. Foi isso que possibilitou que nossos antepassados prevalecessem sobre os outros primatas tornando o homo sapiens a espécie dominante relegando as outras espécies, primeiro os guetos, posteriormente a extinção. E é isso que nos define como pessoa, Estado e espécie. Chegando no final do livro, é emocionante ver esta relação criando um link direto com os outras espécies do genero homo. Não à toa o livro tem este nome - mas já aviso que é bem diferente do filme.

Terror, medo, solidão, os limites psicológicos testados, vampiros, inovação, fim da humanidade e uma boa dose de reflexão antropo-filosófica, fazem de Eu Sou a Lenda um dos melhores livros do gênero e merecidamente colocam o autor no rol dos grandes autores de seu tempo.     


Boa leitura

O Eu Sou a Lenda (I Am Legend, 1954)
Páginas: 244
Autor: H. Richard Matheson
Editora: Novo Século
Comprar: AMAZON  

[RESENHA] O Silêncio das Montanhas, de Khaled Hosseini

Antes de ser um livro sobre a separação ainda na infância de dois irmão, O Silêncio das Montanhas é um retrato emocionalmente triste e inevitável das angústias que todas as relações humanas acarretam...


Nota: ★★

Algumas histórias tem o dom de nos fazer ter esperanças mesmo que o mundo esteja desabando ao nosso redor. Outras tem o dom de nos divertir e ver que a vida pode ser levada de forma leve. Mas algumas parecem que foram feitas com o intuito de abrir nossos olhos para uma realidade onde nem sempre tudo é possível e mesmo a felicidade, quando chega, não é tão colorida e vem mesclada com um tempero agridoce. É o caso do ótimo “O Silêncio das Montanhas” de Khaled Hosseini. Chegar ao ponto final do livro e não sentir um aperto no peito, quase como uma facada, é como caminhar no deserto e não ter sede. Só é possível se você tem alguma parte do cérebro desligada que te impossibilite de se emocionar, de sentir empatia. De ver que o mundo, ainda que cheio de possibilidades maravilhosas, pode ser um lugar cruel e que a nossa vida nem sempre é guiada por aquilo queremos.

Quando lançou o ótimo "O Caçador de Pipas" no ano de 2003, Hosseini conseguiu emocionar milhares de leitores com sua escrita que penetra o fundo da alma humana. Não há como negar que ele é um ótimo contador de histórias. Em O Silêncio das Montanhas, o autor aplica uma narrativa um pouco distinta do que estamos habituados em suas obras, mas não esconde seu verdadeiro trunfo como escritor: nos emocionar.

No livro, acompanhamos a vida de Pari e Abdullah, duas crianças que tem um laço mais forte que o fraternal que as une. É como se pertencessem a faces diferentes da mesma moeda. Impossível dissociar um do outro. Porém, a vida nem sempre funciona como a gente quer e por motivos extremos, Pari e Abdullah são separados. Aí, temos a saga de duas almas que seguirão suas vidas com oceanos de distância mas o reflexo delas, uma na outra, sempre será uma presença constante.

A narrativa fragmentada que  serve para mostrar diversos pontos de vista de uma história maior, pode afastar alguns leitores, haja vista a dificuldade de num primeiro momento, relacionar-se sentimentalmente com o enredo. Porém, se você se enquadrar nesse grupo, faça um esforço e dê uma chance a este livro. Mesmo parecendo uma coleção de contos que se entrelaçam, a narrativa é coesa e abre espaço para um alcance maior e serve o objetivo do autor que é nos mostrar as intrincadas relações da vida,  

Apesar de ter como foco principal a vida de Pari e Abdullah, o livro é uma viagem por gerações e personagens onde atitudes tomadas por um, reflete-se de forma incomensurável na vida do outro. É uma gama gigante de personagens, vilas e países que de forma direta ou indireta aglutinam-se para rebater na vida de Pari e Abdullah. Claro, em se tratando de Kaled Housseini, a guerra não poderia ficar de fora.

É impossível fazer um panorama do Afeganistão retratando o modo de vida e de pensar de seu povo sem mencionar este mal que independente dos avanços tecnológicos e humanistas que nossa espécie tenha alcançado, consegue parecer etéreo ao homo sapiens. Mas de forma sábia o autor não foca no conflito em si. Ele prefere focar-se na vida de gente comum que não pediu pra que a guerra acontecesse mas que vê sua vida jogada num carrossel de acontecimentos quase inverossímeis.

Uma parte muito reflexiva da narrativa é o modo que o autor descreve como os afegãos que permaneceram no país no decorrer do conflito enxergam aqueles que se evadiram. É como se não fossem dignos de chamar aquela terra de sua, e independentemente de estarem corretos ou não, quem pode censurá-los? Ainda há uma crítica leve, porém marcante, àqueles nativos que decidiram lucrar em cima das pessoas e organizações que se dispuseram a ajudar na amenização do sofrimento do povo. São momentos que valem a reflexão sobre nós como seres sociais, éticos e religiosos. E vale ressaltar que o autor faz isso não forma didática mostrando onde e como devemos pensar. Isso é feito de forma orgânica e de mansinho. Quando você se dá conta já está pensando sobre você como um ser social e em suas atitudes e se questionando se realmente tem sido alguém digno de nota.

Apesar de toda tristeza que permeia a obra e um final que parece caminhar para um fim melancólico e injusto, Kaled Housseini faz questão de deixar uma chama acesa de esperança na tentativa de mostrar que por mais infeliz, trágica e injusta que seja a vida, ainda é possível vislumbrar coisas boas para um futuro que mesmo assustador, pode ser incrível, belo e cheio de surpresas boas.  


Boa leitura

O Silêncio das Montanhas (And the Mountains Echoed , 2013)
Páginas: 350
Autor: H. Khaled Hosseini
Editora: Globo Livros
Comprar: AMAZON

[RESENHA] Mistérios Sombrios do Vaticano, de H. Paul Jeffers

Em sua tentativa de desnudar toda uma história de escândalos e segredos do Vaticano, o autor acaba entregando verdades há muito conhecidas e exagera na quantidade de informações que carecem de fonte.



Nota: ★★


Não é nenhum assombro que uma organização que conta com mais de século de existência carregue dentro de seu amago alguns segredos. Sendo esta organização de cunho religioso, as coisas ficam mais agudas ainda. No livro “Os Mistérios Sombrios do Vaticano”, o autor H. Paul Jeffers, jornalista e autor de vários livros com esta mesma temática, tenta esmiuçar muitos dos segredos e histórias apócrifas da Santa Sé. Indo desde Pedro, que seria o primeiro papa, até Bento XVI. Apesar de entregar um livro relativamente interessante, a maioria dos relatos aqui apresentados não são tão secretos assim e o autor peca muito em não citar fontes.

Toda vez que surge um rumor de segredo envolvendo o Vaticano, meio que por osmose nos interessamos e ficamos ansiosos por saber qual será peripécia que os discípulos de Pedro querem esconder. Isso ficou mais acentuado depois do estrondoso sucesso do livro O Código Da Vinci e os supostos segredos que o livro revelou. Apesar de não conter informações muito confiáveis, Dan Brown conseguiu atiçar a curiosidade das pessoas. E, quando nos deparamos com um livro que promete revelar muitos segredos do Vaticano logo nos interessamos.

Em suas 276 páginas, o livro abrange uma quantidade ampla de assuntos pouco ou mal explicados que o Vaticano estaria envolvido. Templários, o envolvimento com a Máfia Italiana, corrupção no Banco do Vaticano, a vida sexual agitada de muitos pontífices, enfim, quase tudo que já deixou os fiéis com sua fé abalado ou, que os levou a enxergar, ao menos por um momento o catolicismo com outros olhos, foi tema do livro que tinha tudo pra ser um manuscrito relevante. Tinha!

Apesar de ter escrito outros tantos livros, ser jornalista e saber a importância de uma fonte, o autor não faz muita questão de usá-las. Talvez um terço ou mais do livro são citações de pessoas que não fazemos a menor ideia de quem são. Há muita informação que teria uma relevância cabal se fosse divulgado o autor da mesma. Mas, infelizmente o autor esquece de referenciar.

Mesmo com este contratempo, o livro é bem interessante. A escrita do autor é fluída o que não cansa permitindo chegar rapidamente ao fim. Longe de ser uma referência sobre o tema, o livro ao menos serve para nortear alguém que queira entrar mais profundamente nesta gama de mistérios chamado Vaticano. Leia, mas não tome tudo como verdade, a menos que você não tenha problemas com informações que não possam ser verificadas.

Boa leitura. 


Mistérios Sombrios do Vaticano (Dark Mysteries of the Vatican, 2010)
Páginas: 276
Autor: H. Paul Jeffers
Editora: Jardim dos Livros
Comprar:  AMAZON

INDICAÇÕES DA SEMANA #3



Longos dias e belas noites!

Hoje, nas Indicações da Semana, não tem nenhuma produção mais ou menos. Todos os quatro longas que lhe serão apresentados, além de terem uma acuidade técnica, tem em seu enredo um subtexto que vale à pena reflexão. Desde o homem que sonha com uma catástrofe e se prepara para tal à exemplo de Noé; a invasão alienígena que explora mais nossa linguagem e a inevitabilidade das coisas; uma metáfora sobre a dor da perca num retrato belíssimo; e um ensaio sobre a vida através de máscaras.

Bem, vamos lá?    


O ABRIGO

O que você faria se tivesse presságios de uma catástrofe que está por vir, mas que ninguém acreditaria se você contasse? É isso que acontece no filme O Abrigo. Num paralelo moderno do mito de Noé, o diretor Jeff Nichols nos apresenta um filme com um ritmo lento porém com um clima de suspense no ar que não deixa a narrativa cansativa.

Destrinchando a vida de Curtis LaForche (Michael Shannon) que começa a creditar nas visões apocalípticas e isso o leva a perder o emprego e a confiança da família, já que sua mãe tem esquizofrenia e para todos suas visões são sinais da doença.

O filme é um retrato da situação de gente comum ante fatos extraordinários. Sempre há um nosso “Eu” que finca os pés no chão da realidade plausível e provável negando-se a ler os sinais que a vida dá – e isso não é restrito a fatos sobrenaturais. Além de Shannon ótimo no papel, ainda temos uma Jessica Chastain no papel da esposa de Curtis, Samantha LaForche, com sua eficiência habitual. Vale o ingresso.

A CHEGADA

 Este com certeza é um dos melhores filmes de ficção dos últimos anos. A história narra a chegada de seres alienígenas na Terra e a tentativa de Louise Banks (Amy Adams), linguista, em descobrir o real motivo de sua vinda pra cá.


Apesar de ser um tema batido, o longa foge do roteiro fácil de explosões e abduções. Há um olhar mais intimista e menos catastrófico. Baseado no conto A História de Sua Vida de Ted Chiang, o livro aborda questões como linguagem, teorias cognitivas e um conceito diferente sobre livre arbítrio.

Dirigido pelo ótimo Dennis Villenueve, o filme conta com uma fotografia vistosa, um clima de tensão intermitente e um roteiro eficiente. Apesar de num primeiro momento parecer uma narrativa grandiloquente, o filme é mais um retrato intimista da vida de Louise do que qualquer outra coisa. E por falar em Louise, que interpretação incrível Amy Adams. Ela está ótima no papel sendo o grande fio condutor da narrativa. Surpreendentemente não foi indicada pela academia como melhor atriz.

Apesar de merecer, não vou me delongar muito na história do filme pois já fiz uma resenha do conto, para ler clique AQUI , e ambos tem uma estrutura muito semelhante. Não deixem de ver.

SETE MINUTOS DEPOIS DA MEIA NOITE

Adaptado do livro homônimo de Patrick Ness, o filme é uma alegoria muito profunda sobre nossos sentimentos paradoxais e sobre superação. Connor O’Maley (Lewis MacDowgall) é um garoto que passa por um momento difícil: sofre bullying na escola, sua mãe está sucumbindo a uma doença terrível e pra piorar, começa a ter um sonho que lhe apavora.

É neste ponto que surge o Monstro. Uma figura que pode ser ou não real e que aparece para Connor para contar três histórias e ouvir uma quarta. O filme é emocionante, triste e belo. Cheio de lições para levarmos pra vida toda.

Sem delongar muito pois já resenhei o livro (resenha AQUI), e as histórias são bem parecidas com um acréscimo no final do filme que torna tudo mais lúdico ainda. Assista com um lenço para enxugar as lágrimas. Vai precisar. Já disponível na Netflix.

DE OLHOS BEM FECHADOS

Já está quase virando regra filme do Stanley Kubrick aqui na seção. Neste, o diretor aborda a vida das pessoas atrás de máscaras. Estrelado pelo na época casal 20, Tom Cruise e Nicole Kidman, o filme  começa mostrando uma vida feliz de ambos até que possíveis aventuras sexuais põe em cheque a felicidade deles.

Cheio de alegorias e um flerte com teorias conspiratórias, o filme ficou mais marcado pela cena do ritual ocultista do que pelo seu conteúdo em si. E focar somente nisto é reduzir em muito esta grande obra. Sem muitas delongas pois já tem uma análise do filme aqui no broguinho (para ler clique AQUI ), o filme te faz pensar sobre fidelidade, o real momento onde há traição conjugal e a vida das aparências. Mesmo longe de ser o melhor trabalho de Kubrick, é um filme fantástico que vale a pena ser visto.

É isso pessoal, essas são as indicações da semana. Até a próxima.
Longos dias e belas noites.